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O melhor amigo

Nunca tive um “melhor amigo”. Sou amigo de muita gente. Ofereço amizade e recebo amizade em troca. Mas não sei medir a intensidade para escolher o “mais”. Agora “os mais”, no plural, isso sim, fica mais fácil.

Quando era pequeno, uma professora de português pediu para fazermos uma redacção sobre o nosso “melhor amigo”. Inventei um nome e fiz o texto. Que era falso no que concerne ao personagem principal. Ainda me lembro disso porque enquanto escrevia ia ficando triste, nunca tinha dado por falta de um “melhor amigo” mas, naquele dia, achei que precisava de um, não tinha e o defeito devia ser meu. Bastava olhar para o lado e ver a vontade com que os meus colegas escreviam.

Quando cheguei ao governo conheci outro tipo de “amigo”. O “amigo da cadeira” onde me sentava. Sempre soube que mal deixasse as funções governativas, a “amizade” continuaria ao serviço da cadeira, longe de mim. Nunca me deixei iludir. A insignificância da amálgama interesseira veio a resvalar na minha indiferença.

Antes, durante e depois desse período, sempre que podia refugiava-me na Calheta. E quando a coisa estava mais difícil vinha para o escuro do quintal espairecer. E ficava ali sozinho, a olhar para as estrelas, admirando o espectacular céu que dali ainda se vê.

Chegava-se sempre para o pé de mim o mais velho dos cães. Sentava-se e ficava ali comigo o tempo que fosse. Num dia mais ruim chorei, coisa que homem não faz. Treta, faz às escondidas. Chorei muito. E o Beagle, assim se chamava, tal como a raça, desatou a uivar. Solidário. Qual parelha de sopranos ou tenores. Nesse dia descobri o real significado do cão ser o “melhor amigo” do homem.