Crónicas

O senhor das lambecas

O Porto Santo merece por isso uma atenção especial de todos nós

Todos nós temos recordações da nossa infância que ficam para sempre. As férias de verão, os passeios na praia, os mergulhos no mar e os dias sem tempo contado assumem, nesse particular, um espaço seguro na nossa memória, que vai apagando tantos momentos mais recentes sem significado mas guarda numa caixinha, o impacto desses dias felizes. Não há como fazer essa viagem sem nos lembrarmos com carinho dos nossos pais, sobretudo para aqueles que não têm a sorte que eu tenho de os ter ainda por aqui. As minhas férias sempre foram passadas no sul de Espanha, em família. Era uma vida cheia, marcada por pequenas particularidades que me acompanharão para sempre. Da bagunça na piscina com pistolas de água, aos panados com queijo e fiambre a que chamamos cordon bleu mas que por lá lhe chamam San Jacobo, dos minutos contados para fazer a digestão para regressar à água, à ansiedade que chegasse o momento em que levávamos as pesetas contadas para comprar um gaufre de chocolate, numa pequena loja ao lado do aparthotel.

Quando vou ao Porto Santo parece que regresso a esse imaginário e consigo projectar-me nas memórias das crianças que ali viveram as suas primeiras idas à praia. A tranquilidade que se sente e o cheiro a mar, o sol, o calor e a areia dourada, a cor da água, a sua melancia e a uva de gosto sem igual, os mergulhos no cais, a simplicidade e autenticidade dos portossantenses e as inigualáveis lambecas, gelados artesanais que ganharam essa designação através de um cliente e que remete para o ato de lamber. Consigo ao saborear o famoso gelado imaginar o que sentiam os mais novos e as recordações que por certo levarão para sempre desses tempos inesquecíveis. A ilha é um verdadeiro paraíso para quem gosta de colecionar esse tipo de momentos, para quem gosta de sentir o sabor da vida e as noites com os pés na areia. É por isso que a lambeca não é apenas um gelado, é um património riquíssimo em forma de espiral, servidas em copo de bolacha e de fantasia, que tornam esses momentos tão deliciosos quanto únicos, que perduram para além dos sabores e que deixam um gosto a felicidade.

Esse é apenas um dos muitos motivos que dão expressão mais do que justa à atribuição ao Porto Santo do reconhecimento de melhor praia da Europa. Um destino de sonhos e de encantos, que mais parece saído de uma história de embalar. Pela minha ligação à Madeira, tenho sido frequentemente abordado nas últimas semanas por amigos e conhecidos que de repente parecem ter despertado para este pequeno paraíso plantado em pleno oceano Atlântico. Acho que muitas vezes deixamos a continuidade territorial de Portugal caída no esquecimento e em palavras bonitas que nunca saem do papel, valorizamos mais o que está lá fora, privilegiamos outros locais e nem nos lembramos de tudo o que temos por aqui. É preciso vir uma distinção para de repente termos vontade de conhecer, quando na verdade deveria estar no topo das prioridades de cada português descobrir o nosso maravilhoso território, repleto de especificidades e de locais tão especiais. Para isso muito contribui a TAP, uma companhia aérea pública que pouco faz para promover cá dentro e para encontrar pacotes a preço justo para nos dar a todos a oportunidade de viajarmos para as ilhas, apostando tantas vezes de forma mais incisiva noutros destinos.

O Porto Santo merece por isso uma atenção especial de todos nós, mais do que prémios precisa de ser cuidado e respeitado, promovido como uma das jóias do nosso país. Merece ser valorizado e protegido e que se encontrem soluções para que não se perca esta genuinidade sem pressões desmedidas nem projectos megalómanos. O reconhecimento que agora lhe foi atribuído só nos mostra aquilo que já sabíamos e que muitas vezes nos esquecemos por fazer parte de nós. As tão famosas lambecas são apenas mais um motivo para lhe reconhecermos também nós o seu carácter singular.