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O que faz falta

É acordar a malta: a pandemia dos últimos dois anos, que se prolonga indefinidamente, adormeceu-nos. Mudou-nos: aos nossos hábitos e às nossas rotinas, aos nossos convívios e confraternizações. A guerra na Ucrânia, fisicamente distante mas próxima dos nossos corações, anestesiou-nos. Por cá, já nada nos sobressalta, nada nos mobiliza, nada nos choca - nem o sexo em plena cidade. Letárgicos e acríticos: é assim que estamos perante a sucessão de acontecimentos que nos atropela diariamente, nas televisões, nos jornais e nas redes sociais, por mais graves que sejam as decisões, os erros e as omissões.

É avisar a malta: o tempo político mudou, mas a Madeira estagnou. No país temos Presidente, Governo e PRR até 2026, mas por cá continuaremos entretidos com festividades e ataques à culpa alheia até 2023. Com exigências de independência que afinal não o são, porque nunca foram mais do que foguetes de festa. Embalados com promessas de obras aqui e acolá, mais betão, mais milhão. Reféns: cada vez mais de um Governo Regional sem qualquer horizonte; de Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia transformadas de novo em Departamentos Governamentais; de sedes do PPD disfarçadas de Casas do Povo, dominadas por fluxos financeiros por explicar ao Tribunal de Contas.

É agitar a malta: os partidos da oposição não podem continuar distantes da população. Não nos iludamos: fechados sobre os nossos próprios círculos, cada um no seu porque outros assim quiseram, a falar para a nossa própria gente, sem chegarmos a quem não ouve porque tem outras preocupações, desilusões, desencantos, frustrações - que nas últimas eleições transformou em votos noutro tipo de soluções. Distantes de uma população que, como nós, se deixa entreter com o folclore mediático da inauguração do dia: a tasca, o café, o restaurante, a pequena loja, ou a grande superfície comercial - investimento privado capturado pela narrativa política virada para o momento fotografado.

É empurrar a malta: é trazê-la de volta à participação política. É mostrar-lhe que sim, vale a pena, como fizemos com os Orçamentos Participativos e os Planos Municipais. Que sim, precisamos de definir estratégias e rumos programáticos, mas precisamos ainda mais de mobilizar o povo que somos para o projecto maior em que acreditamos, ou nada disso será consequente.

É dar poder à malta: é recordar que está mesmo nas mãos de todos e de cada um. Que a regra que define o futuro colectivo é a mais básica de todas: uma pessoa, um voto. Que a nossa voz conta e o nosso voto faz a diferença. Que a cantiga é uma arma, mas o voto é uma maior. Que o rumo de todos é a soma do que cada um define para o seu - sem inevitabilidades, ou fatalidades. Que o voto conta o mesmo, em todas as eleições.

É libertar a malta: é lembrar aos madeirenses que, em 2023, voltarão a ter nas mãos o poder de negar à maioria parlamentar, que já não é absoluta, nem eleitoral, a capacidade de perpetuar um regime que definha a cada intervenção pública de quem o lidera, que envergonha, que embaraça, que nos arrasta para um cenário de miséria e decadência - política, económica, social e moral. Que faz e não faz porque quer, manda e pode – e o povo que pague depois. De um regime falhado e ultrapassado, alimentado por sucessivas gerações de gente com o mesmo apelido a ocupar as mesmas funções. Na Madeira o poder não caiu na rua, porque o entregamos sucessivamente nas mãos de meia dúzia que nos brinda, com cada vez maior frequência, com festas e inaugurações de regime onde já não cabe toda a oligarquia na mesma fotografia.

É animar a malta: é recordarmos que a Madeira pode ser mais. Que tem de ser mais! É explicar aos mais jovens que sim, podem mudar e fazer a diferença! Que podemos ser terra de Liberdade, de Igualdade, de Justiça e Solidariedade – para todos, sem excepção. Que podemos ser terra de imigração, em vez de emigração. Que podemos ser outra coisa, em vez de sermos o que somos na Saúde a tempo só para quem tem dinheiro para o privado que prolifera; na Educação das turmas e escolas de elite que todos sabemos que existem, mas fingimos não ver; no Emprego que continua precário, mal remunerado e gerador de pobreza; na Habitação que já é a terceira mais cara do país, na região mais pobre, porque cada vez mais controlada pelos mesmos senhores do betão do regime.

O que faz falta é sonhar com a malta: é a flor de Abril que não chega e a luta de Maio que se perde. É a Liberdade que a flor que negam trouxe e a Igualdade da luta do povo trabalhador que desprezam. Os madeirenses sabem que há um futuro diferente à espera, porque o constroem noutras paragens, há sucessivas gerações. Só não acreditam possível construí-lo na Madeira, entre nós – mas e se afinal fosse?