Orçamento do Estado País

Governo mantém rota de recuperação apesar de "elevada incerteza"

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A economia portuguesa deverá continuar a recuperar este ano, mas a incerteza provocada pela guerra obrigou o Governo a cortar o crescimento para 4,9% e lançar medidas de 1.800 milhões de euros para mitigar a escalada de preços.

Na proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), entregue hoje na Assembleia da República, o executivo reviu em ligeira baixa, 0,1 pontos percentuais, a projeção face ao cenário macroeconómico apresentado no Programa de Estabilidade (PE) para o período 2022-2026, divulgado em 28 de março, que apontava para um crescimento de 5% em 2022, e de 5,5% da proposta do OE2022 chumbada em outubro.

A equipa das Finanças, liderada por Fernando Medina, referiu que o OE2022 "é apresentado num contexto marcado pela recuperação da economia portuguesa e pelos desafios e incerteza resultantes da invasão militar da Ucrânia pela Rússia".

Adiantou que este crescimento, em conjunto com a redução da despesa associada a medidas de emergência adotadas durante a pandemia, deverá permitir reduzir a dívida pública para 120,7% do Produto Interno Bruto (PIB) face aos 127,4% registados em 2021 e o défice orçamental para 1,9% do PIB, uma revisão em baixa face aos 3,2% previstos em outubro, mas mantém a meta inscrita no Programa de Estabilidade 2022-2026.

A proposta orçamental mantém o cenário para o mercado de trabalho inscrito no PE, com uma estimativa de taxa de desemprego de 6% para este ano e que significou uma revisão em baixa face aos 6,5% previstos em outubro.

Segundo o Governo, as tensões geopolíticas que resultam da invasão em fevereiro "vieram agravar as pressões inflacionistas" através de uma aceleração do preço dos combustíveis, das matérias-primas energéticas e de diversos bens primários.

Para mitigar o impacto da inflação na economia e proteger o poder de compra das famílias e as condições de produção das empresas, o Governo anunciou medidas extraordinárias, tais como a redução do ISP equivalente a uma redução da taxa de IVA de 23% para 13%.

No campo da fiscalidade, manteve a criação dois novos escalões de IRS, desdobrando os 3.º e 6.º escalões, com este imposto a passar a ter nove escalões.

A proposta de Orçamento do Estado vai ser debatida na generalidade na Assembleia da República nos próximos dias 28 e 29 de abril, estando a votação final global marcada para 27 de maio.

Eis as principais medidas previstas na proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2022:

IMPOSTOS

O número de escalões de rendimento sujeito a IRS passa de sete para nove em 2022, confirmando assim uma das principais medidas fiscais da versão do OE2022 que foi 'chumbada' em outubro.

Os dois novos patamares englobam rendimentos entre os 10.736 euros e os 15.216 euros, sobre os quais incide a taxa de 26,5%, e rendimento entre os 15.216 euros e os 19.696 euros, taxados a 28,5%.

É prolongado por mais dois anos o regime do IRS para permitir aos jovens beneficiarem de um desconto no imposto, alargando-o ainda ao trabalho independente.

O Governo pretende alargar até 2023 a vigência do Programa Regressar, que concede incentivos fiscais a emigrantes que queiram regressar a Portugal e a nova proposta do OE2022 traz uma solução para quem regressou em 2022.

As empresas vão deixar de ter de fazer o Pagamento Especial por Conta (PEC) do IRC. Esta medida responde às reivindicações de várias confederações e associações empresariais e pretende dar mais liquidez às empresas, sobretudo às de menor dimensão, segundo o OE2022.

PENSÕES

Os pensionistas que recebem até 1.108 euros por mês vão ter este ano um aumento extraordinário de até 10 euros com retroativos a janeiro, confirmou o Governo.

O aumento extraordinário já tinha sido anunciado pelo Governo e vai abranger cerca de 1,9 milhões de pensionistas e terá um custo de 197 milhões de euros, de acordo a apresentação do ministro das Finanças, Fernando Medina.

Em 2021, o aumento extraordinário foi pago aos pensionistas que recebem até 658 euros (1,5 IAS).

AÇÃO SOCIAL

Os encargos com a ação social estão orçamentados em 2.241,9 milhões euros, o que representa um aumento de 9,7% face à execução orçamental provisória de 2021, "garantindo assim a continuidade do reforço no alargamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e o reforço da despesa associada a acordos de cooperação com o terceiro setor".

No orçamento para 2022 estão considerados 58,4 milhões de euros relativos ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), dando cobertura a diversas respostas sociais.

Na questão da pobreza, serão atribuídos apoio de 60 euros por família vulnerável, para compensar o aumento de preço do cabaz alimentar, e de 10 euros por botija de gás, serão alargados dos agregados beneficiários da tarifa social energética para os agregados abrangidos por prestações sociais mínimas. Paralelamente, serão mobilizados fundos europeus para apoio aos refugiados ucranianos, em particular com custos de alojamento.

O subsídio de apoio aos cuidadores informais vai ser alargado a todo o País, estando previsto 30 milhões de euros para esta medida.

O Governo pretende ainda garantir o efetivo acompanhamento por parte dos profissionais de referência da segurança social e da saúde e o alargamento a outras medidas como o acesso à tarifa social da energia elétrica e do gás natural, equiparando os cuidadores informais que auferem subsídio de apoio aos restantes beneficiários de prestações de solidariedade. Pretende-se igualmente garantir que os cuidadores informais possam ter prioridade no atendimento nos serviços públicos

CRECHES E INFÂNCIA

A gratuitidade das creches, que deverá ter uma implementação progressiva nos próximos três anos, terá um custo de 16 milhões de euros em 2022. A partir do próximo ano letivo, as creches passarão a ser gratuitas para todos as crianças que entrarem nas creches com acordo de cooperação com a segurança social. Neste primeiro ano, serão abrangidas as crianças até um ano de idade. No ano letivo seguinte, será alargado até aos dois anos e em 2024/25 abrangerá as crianças até aos três anos.

A Garantia para a Infância é uma nova prestação criada pelo Governo para garantir que todas as crianças e jovens com menos de 18 anos em situação de pobreza extrema recebem 1.200 euros por ano (100 euros por mês).

Trata-se de um complemento ao abono de família e a implementação desta medida será faseada em dois anos, sendo que em 2022, o valor garantido será de 70 euros por mês (840 euros/ano) e em 2023 será de 100 euros (1.200 euros/ano). Com estas medidas, estima-se que sejam abrangidas cerca de 500 mil crianças, com um impacto global de 140 milhões de euros no ano de 2023.

De acordo com a proposta de lei, a medida tem uma disposição transitória que prevê que o complemento seja pago pela primeira vez no primeiro trimestre de 2023.

SAÚDE

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) vai contar com um reforço de 700 milhões de euros, montante idêntico ao previsto na proposta de Orçamento do Estado para 2022 entregue em outubro do ano passado e que foi chumbada no parlamento. O Governo refere que este reforço se destina a "recuperar rapidamente a atividade assistencial, através da contratação adicional de profissionais de saúde e do ganho de autonomia dos serviços de saúde para contratarem profissionais em falta" para o SNS.

O Programa Orçamental da Saúde prevê uma despesa total consolidada de 13.578,1 milhões de euros, o que excede em 5,6% a execução provisória de 2021, e uma despesa efetiva consolidada de 13.529,4 milhões de euros, valores idênticos aos que constavam da proposta chumbada no final de 2021.

O SNS vai passar a ser dirigido por uma direção executiva, um novo órgão para coordenar a resposta assistencial aos utentes e monitorizar o seu desempenho, indica a proposta de Orçamento do Estado para 2022. Segundo o documento, esta direção executiva, prevista no novo Estatuto do SNS aprovado pelo Governo em outubro de 2021, terá o "papel de dirigir o SNS a nível central, coordenando a resposta assistencial das suas unidades de saúde, assegurando o seu funcionamento em rede e monitorizando o seu desempenho e resposta".

EDUCAÇÃO

A verba prevista no Orçamento do Estado para o ensino básico e secundário e administração escolar cresce 8,5% em relação a 2021 para um total de 7.805,7 milhões de euros. A despesa total consolidada para ciência, tecnologia e ensino superior aumenta 21,2%, para 3.124,8 milhões de euros.

A principal novidade da proposta do OE2022 na educação é o compromisso, já anunciado, com medidas para responder ao problema da falta de professores nas escolas. O executivo refere a alteração do regime de recrutamento, um novo modelo de formação de professores, em articulação com o ensino superior, e a criação de incentivos à carreira docente e à fixação de professores em zonas de maior carência.

Agora sem os setores do desporto e da juventude, o orçamento para a Educação encolheu ligeiramente em consequência dessa alteração na orgânica do Governo e conta com uma verba total de 7691,2 milhões de euros. São menos 114,5 milhões face à proposta chumbada em outubro), mas mantêm-se os 6.960,2 milhões para as escolas, que recebem 85,4% do total.

Entre as várias referências feitas à guerra na Ucrânia na proposta, o Governo sublinha a "rápida integração" dos alunos beneficiários de proteção temporária no ensino superior. O documento prevê que os universitários que frequentavam o ensino superior ucraniano no início da invasão russa possam entrar nas instituições portuguesas "através de vias de ingresso apropriadas" e assegura também a atribuição "dos apoios sociais adequados".

JUSTIÇA

Num orçamento que prevê mais de 1,6 mil milhões de euros para a Justiça, surgem como reformas e investimentos a concretizar em 2022 "a disponibilização do sistema de informação de monitorização da Estratégia Nacional Anticorrupção" e "a promoção da interoperabilidade eletrónica dos Tribunais Administrativos e Fiscais com a Autoridade Tributária com vista ao acesso desmaterializado ao processo eletrónico enquanto órgão de execução fiscal".

A introdução das novas plataformas informáticas Magistratus e MP Codex nos tribunais de primeira instância é um dos investimentos com conclusão prevista para 2022 na proposta do Orçamento do Estado para o setor da Justiça.

Ainda este ano, o Governo pretende concluir a revisão do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), para a "otimização e agilização do processo de insolvência, e também adaptação ao paradigma digital por definição e o estabelecimento da tramitação exclusivamente eletrónica, bem como "a alteração do estatuto do administrador judicial tendo em vista a redução das restrições ao exercício das profissões altamente regulamentadas".

Do ponto de vista do investimento no setor da Justiça, a proposta de OE2022 prevê uma verba de "87,6 milhões de euros, dos quais 38,6 milhões de euros dizem respeito ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), destinados essencialmente ao financiamento de obras e/ou construção em edifícios do Ministério da Justiça (tribunais, estabelecimentos prisionais, instalações da Polícia Judiciária, entre outros), e 30,3 milhões de euros dizem respeito às verbas orçamentadas no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)".

INVESTIMENTO PÚBLICO

O investimento público aumentará 30% face a 2021, segundo o relatório do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), representando, juntamente com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), 3,2% do PIB.

O aumento do investimento inclui, "além do impulso que provém do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]", uma trajetória "consistente com o grau de maturidade de investimentos estruturantes planeados antes da pandemia, estimados em 1.997 milhões de euros em 2022".

A estes investimentos estruturantes junta-se o Plano de Recuperação e Resiliência, cujo "investimento público da Administração Central associado aos projetos do PRR representa cerca de 1.026 milhões de euros".

BANCA

O Governo prevê que os cofres públicos arrecadem, em 2022, 495 milhões de euros com dividendos do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos (CGD), o mesmo valor que constava da proposta apresentada em outubro do ano passado. O executivo liderado por António Costa prevê a entrega de 295 milhões de euros pelo Banco de Portugal e 200 milhões de euros pela CGD.

O OE2022 mantém a contribuição especial sobre o setor bancário, que deverá arrecadar receitas de 178,8 milhões de euros, e o adicional de solidariedade sobre a banca, que estima que renda 34 milhões de euros aos cofres públicos.

Fernando Medina explicou, em conferência de imprensa, que o Governo não inscreveu na proposta do OE2022 qualquer transferência para o Fundo de Resolução para empréstimo ao Novo Banco.

APOIOS ÀS EMPRESAS

O OE2022 prevê 2.615 milhões de euros em apoios à recuperação de empresas e 1.150 milhões de euros na transição climática e digital. No que respeita ao Fundo de Capital e Resiliência, está prevista a recapitalização de empresas afetadas pela pandemia de covid-19, no montante de 1.300 milhões de euros.

A capitalização do Banco Português de Fomento (BPF) para apoiar as empresas é de 250 milhões de euros e nos incentivos e subsídios no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) estão disponíveis 900 milhões de euros para inovação, digitalização, qualificação e descarbonização, lê-se no documento.

Está também previsto um alívio fiscal para as empresas, com incentivo fiscal à recuperação (dedução à coleta de IRC até 25% do investimento), no montante de 150 milhões de euros, e o fim do PEC - Pagamento Especial por Conta e o desagravamento das tributações autónomas de IRC, de 15 milhões de euros.

TRANSPORTES

O Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART), que permitiu a redução do preço dos passes sociais nos transportes públicos, tem um financiamento base em 2022 de 138,6 milhões de euros (ME), menos 60 milhões do que este ano.

O Programa de Apoio à Densificação e Reforço da Oferta de Transporte (PROTransP) vai contar este ano com um orçamento de 15,5 milhões de euros, um aumento de 500 mil euros em relação ao OE2021.

O Governo pretende investir 473 milhões de euros no Ferrovia 2020 e 51 milhões em rodovias este ano. O investimento na expansão nas redes de metropolitano "nos próximos anos" ascenderá a cerca de ,7 mil milhões de euros, dos quais 317 milhões em 2022.

O Governo pretende introduzir, ainda este ano, alterações às leis que regem a atividade dos táxis e do transporte em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE).

TAP

Em 2022, no âmbito do plano de reestruturação da TAP conforme aprovado pela Comissão uropeia, encontra-se previsto um apoio financeiro, por parte do Estado Português, de até 990 milhões de euros.

MEDIA

O Governo vai manter o valor da Contribuição para o Audiovisual (CAV), que financia a RTP. Assim, o valor da CAV que consta na fatura de eletricidade vai manter-se em 2022 em 2,85 euros.

O executivo prevê "reforçar a posição" da Agência Lusa enquanto "organismo de serviço público", sem avançar mais detalhes. De acordo com o OE2022, está prevista uma verba de 16,52 milhões de euros para a Lusa.