Crónicas

Uma laranja num rio rosa

Aí está o novo mapa político português. O PS conquistou de forma avassaladora as Legislativas de 2022 e pintou o país de rosa, de cima abaixo. Só escapou mesmo a Região Autónoma da Madeira. E se a vitória já era o cenário mais provável a obtenção de uma maioria absoluta não deixa de ser surpreendente. Primeiro porque o desgaste de 6 anos de governação, sobretudo numa altura difícil ( em plena pandemia ) deixa normalmente marcas que se refletem nos resultados e depois porque as sondagens apontavam para uma disputa taco a taco entre António Costa e Rui Rio. Sondagens essas que mais uma vez dão prova da sua parca fiabilidade e que podem bem ter sido uma das causas da mobilização em torno do atual primeiro ministro. Assistimos por isso a uma reconfiguração da Assembleia da República com o crescimento substancial de um partido de extrema direita e do liberalismo ao passo que pela primeira vez o PS sobe ao mesmo tempo que a esquerda radical desce.

Dos factos de que a história rezará, gostaria de salientar os tempos desafiantes que se vislumbram para o CDS e para o PSD. Serão, para o partido democrata cristão (se não aparecer nenhum pântano pelo meio), 4 anos e 10 meses sem representação parlamentar. É muito tempo sem uma voz no principal palco político. A fragmentação dentro do partido e o afastamento de alguns nomes históricos criou uma ideia de insegurança e instabilidade mas não foi o único motivo para o desastre eleitoral. Há muito que o CDS não se consegue dissociar da ideia de que funciona apenas como muleta do PSD e mesmo em termos ideológicos foi quem mais sofreu com o espaço que Rui Rio deu à sua direita para o aparecimento de novos partidos. Quem quis votar num governo da direita histórica e conservadora votou PSD e quem por outro lado quis votar diferente, ou por ser anti sistema ou porque acredita num regime reformista virado para o crescimento económico votou IL e o que sobrou foi pouco, tão pouco que não chegou para eleger sequer um deputado. Será interessante de perceber como se reorganizará o partido que conta com bons quadros mas que se vê desta forma espartilhado entre várias forças políticas em crescimento e qual será a estratégia para recuperar um eleitorado que pode muito bem ter ficado irremediavelmente perdido.

O PSD tem um problema diferente. Tentou uma viragem ao centro (quase) esquerda e deu-se mal. Na matriz fundadora do partido até podia ser assim mas com o tempo ocupou o lugar de maior partido de centro direita e é lá que se encontra a sua base de apoio. Abriu espaços para que outros pudessem entrar e não conquistou nada no terreno do PS. Uma demonstração de que as pessoas continuam a preferir os originais às cópias. Agora tem um grande problema entre mãos. Falta uma liderança consistente e que empolgue o seu eleitorado. Perfilam-se um Luis Montenegro com um discurso longe de ser genial, um Miguel Pinto Luz pouco carismático ou um Paulo Rangel que embora considerado tecnicamente brilhante leva consigo o estigma da assunção da homossexualidade que é algo que os militantes mais antigos ainda têm dificuldade em aceitar. Com a profissão de político cada vez menos apelativa, seja pelos ordenados baixos ou pelo absoluto escrutínio das redes sociais e dos meios de comunicação, o PSD tem revelado alguma dificuldade em conseguir cativar os melhores quadros. Talvez precise que alguém pouco conhecido e com carro novo vá fazer a rodagem ao próximo congresso.

Os grandes vencedores da noite ( para além do PS ) foram assim o Chega e a IL. O Chega porque se tornou na 3ª força política e vai ter no Governo um partido que lhes permite continuar a surfar a onda populista. Não me parece que a solução “cordão sanitário” vá resolver o problema. Acho até que o pode agudizar. Estas ideias combatem-se deixando que os próprios intervenientes se espalhem nas suas funções e não que se tornem mártires. Quanto à Iniciativa Liberal terá na AR um grupo de deputados forte e dinâmico com ideias claras que cativam os mais jovens e os empresários, em matéria de impostos, reformas e crescimento económico.

À esquerda todos sofreram com o voto útil. O PAN fragilizado pelas polémicas de Inês Sousa Real e o PCP com uma mensagem cada vez mais desatualizada perderam expressão, mas foi o Bloco de Esquerda ( que continua em negação ) quem teve a derrota mais expressiva. Partidos de alas mais radicais tendem a perder algum efeito quando passam a fazer parte de soluções governativas e os portugueses não lhes perdoaram o fim da Geringonça.

Por fim o PS. Numa população que conta com cerca de 35% de pensionistas e 10% de funcionários públicos o medo da mudança e dos cortes foram motivos mais do que suficientes para tirar muitos do sofá e desequilibrar a balança de votos. Terá agora uma oportunidade única para deixar marca, sem entraves nem desculpas. Fica a dúvida se optará por governar mais à esquerda numa espécie de estado providência ou se apostará no crescimento económico e na produção, num país cada vez mais entregue à cauda da Europa e que precisa urgentemente de reformas que o tornem mais competitivo, dinâmico e inovador.

Uma nota final para a injustiça do sistema eleitoral onde uns contam mais do que outros. Não me parece justo que um partido com 85 mil votos não eleja um único deputado e que outros o consigam fazer com cerca de 20 mil. É fundamental reformá-lo, o que pode muito bem passar pela criação de um circulo de compensação nacional que permita uma melhor distribuição dos lugares e que traga mais justiça à respetiva representatividade dos votos conseguidos.