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Carreira docente: entre semáforos e travagens forçadas

João, já garantiu, vai estar na “Marcha dos Prisioneiros da Carreira Docente”, na próxima sexta

Madeira, fevereiro de 2022.João e Maria são professores em escolas da RAM. Ambos se têm debatido com descontentamentos profissionais interiores que lhes apertam as almas. Estas são as suas histórias recentes.

João é professor há 27. Na sua escola, todos reconhecem o seu profissionalismo e a sua capacidade de lidar com os alunos, mesmo com os mais difíceis. Sempre considerou que os professores têm de estar em constante evolução. Por isso, além da formação contínua legalmente obrigatória, tirou um mestrado na sua área científica, que lhe custou, entre propinas e despesas associadas, mais de 5 000 €, e investiu em várias formações em pedagogia e novas tecnologias.

Foi, por isso, com naturalidade que no processo de avaliação concluído no verão passado recebeu a menção de “Excelente”, que, no entanto, devido à legislação em vigor, não lhe é reconhecida. Deveria, pois, ver registada a menção de “Muito bom” no seu registo biográfico.

Porém, também, não foi isso que aconteceu, já que João não coube nos 25 % da quota legal para os professores considerados muito bons. Desta forma, a excelência de João foi, administrativamente, reciclada em “Bom”. Nada que incomodasse João, se isso não lhe trouxesse graves consequências profissionais: a subida para o 7.º escalão, prevista para janeiro passado, fica adiada para janeiro de 2023, com a consequente perda remuneratória e de 365 dias deitados ao lixo para efeito de progressão. Não admira que João ande cabisbaixo, ainda que continue a ser um excelente profissional. Em jeito de brincadeira, vai dizendo que é um professor que provoca efeitos externos excelentes que lhe trazem efeitos internos nefastos ou que é excelente para os outros e péssimo para si.

João, já garantiu, vai estar na “Marcha dos Prisioneiros da Carreira Docente”, na próxima sexta.

Maria tem 20 anos como professora, está no 4.º escalão e a sua escola já a informou de que, no final deste ano letivo, fica concluído o seu processo de avaliação desse escalão para eventual subida ao 5.º, em janeiro de 2023, se obtiver vaga - o que, a julgar pelo número de colegas da escola em fim de ciclo avaliativo e pela legislação, atualmente em vigor, não lhe abre grandes perspetivas. Ainda assim, como costuma dizer, vai à luta. Porém, neste momento, o que mais a consome por dentro é que não lhe considerem 3 anos de trabalho efetivo, por uma razão que, por mais que lhe digam que é objetiva e clara, não compreende: ter vinculado antes de 2011! Por isso questiona tudo e todos porque é que não tem uma contagem igual à da sua amiga Luísa, que, com 17 anos de serviço, ou seja, menos 3, já está à espera de vaga para subir para o 5.º desde janeiro passado, o que significa que, em princípio, subirá, enquanto ela deverá ficar à espera, na passagem de nível 4, que passe um comboio que não deverá ter lugar para si…

Maria já disse não poder deixar de estar na “Marcha Contra uma Carreira Docente a Duas Velocidades”, na próxima sexta-feira.