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Ruído político

A ação política já não é o que era! Perdeu interesse e “qualidade”

1. Um ano e 4 dias depois das Presidenciais de 2021 e 4 meses (e igualmente 4 dias) após as Autárquicas de 26 de setembro, além de mais uma “suspensão” na pandemia da Covid-19 (no dia antes, com 1 203.011 portugueses em isolamento, entre os quais 591.969 com infeção ativa e 611.042 por contactos de risco/vigilância, segundo o boletim diário da Direcção-Geral da Saúde), o dia 30 de janeiro de 2022 fica assinalado por mais uma ida às urnas – desta vez pela maioria dos votantes inscritos (57,96%, perto de 10% a mais que em 2019) –, mas sobretudo pela segunda maioria absoluta conquistada pelo Partido Socialista em eleições para a Assembleia da República, agora sob a liderança de António Costa, redesenhando assim o mapa político nacional e cobrindo de cor-de-rosa todo o território continental e a Região Autónoma dos Açores, mas adicionando mais uma derrota na Região Autónoma da Madeira.

O território insular da Madeira e Porto Santo continua colorido de laranja e, para infelicidade dos de cá, se o poder regional não souber agora “ajustar-se” e dialogar com o poder central de Lisboa, tornar-se-á ainda mais periférico geográfica, política e economicamente.

Depois de seis anos no exercício de funções como primeiro-ministro – com visível desgaste nos últimos dois graças ao combate contra uma pandemia, mas também pelos 6 meses de Presidência do Conselho da União Europeia –, o líder socialista viu-lhe renovada (e reforçada) a confiança dos portugueses e governará nos próximos quatro, mas agora com a tão desejada, pedida e até expectável (embora não confessada) maioria absoluta, que lhe dará a “estabilidade” governativa várias vezes reclamada. A hábil e cuidadosa estratégia (e propaganda) montada depois das Autárquicas de 26 de setembro, que o PS ganhou (mas com pior resultado que em 2013), deu os proveitos ambicionados. António Costa descartou-se de vez da “Geringonça” – o “maior êxito da esquerda europeia dos últimos anos” e amplamente mediatizada além-fronteiras –, fragmentou a direita, o que levou a menos deputados eleitos pelo PSD para XXIIIª legislatura e ao desaparecimento do histórico CDS-PP (por uma unha negra o PAN lá conseguiu evitar semelhante destino), partido que alguns dos seus ex-dirigentes já declaram estar defunto. Mas o PS não é o único vencedor. É forçoso dar aqui o constatado destaque ao Chega, que passa a terceira força política, ao Iniciativa Liberal (IL) que sobe da oitava força mais votada para a quarta, e ao Livre que volta a conseguir eleger pelo círculo eleitoral de Lisboa, mas não consegue formar um grupo parlamentar.

Nas palavras do futuro primeiro-ministro, esta “maioria absoluta não é um poder absoluto (…) não é governar sozinho”, mas é uma “responsabilidade acrescida”. Ora, atrevo-me aqui a afirmar que esta maioria traz uma “responsabilidade absoluta” para um líder bem experimentado (para muitos, exímio malabarista, contorcionista e ilusionista), que deverá governar para todos os portugueses, em efetivo diálogo com a globalidade dos partidos, até mesmo com o Chega, pois só assim evitará que os populismos e extremismos prossigam em crescendo até 2026. Se em setembro (ou outubro) de 2026 o Chega crescer nas intenções de voto, a responsabilidade de tal facto não será dos cidadãos-eleitores, nem do PSD (que perde influência política todos os dias) ou de qualquer outro partido da/na oposição, mas sim de António Costa, do seu Governo e do Partido Socialista que não estiveram à altura dos desafios do país e não responderam oportuna e convenientemente aos seus problemas, porque não o ‘reformaram’ nem realizaram as transformações que se impunham e que estão a desenrolar-se um pouco por todo o mundo. O futuro primeiro-ministro precisa agora de orientar a sua ação política por princípios que residam num bom discernimento e na razão e não por impulsos desmedidos fruto de uma glória vã.

Todavia há um outro “bem-sucedido” com a clarificação saída da noite eleitoral de 30 de janeiro e que não insultou, “meteu medo” e se vitimizou ou proferiu qualquer inverdade durante o período destinado à campanha partidária (e que troca “beijinhos, abraços e selfies” pela esperança num futuro que todos aspiramos melhor). Aliás, retirou-se mesmo dos holofotes mediáticos e não produziu qualquer “ruído político”, pois não era candidato, mas a memória recorda-nos bem quem o lançou para o segundo mandato em Belém, no dia 13 de maio de 2020, numa famosa visita à fábrica da Autoeuropa. Marcelo Rebelo de Sousa, que a 10 de outubro de 2021 prontamente avisou que “se Orçamento não for aprovado há eleições antecipadas”, terá agora, mais uma vez em São Bento, o seu conhecido (e muito estimado) aluno na cadeira de Direito Público Comparado, aquele que tem todas as condições para igualar o tempo de Cavaco Silva como primeiro-ministro, ultrapassar António Guterres e José Sócrates, e acompanhá-lo até ao término da sua incumbência no Palácio Nacional de Belém. Está assim emendado (e renovado) o matrimónio entre o fiel e “hiperoptimista” aluno e o seu distinto e “hiperativo” ex-professor!

2. Apesar do crescente desinteresse e afastamento dos cidadãos da vida e atividade política (e, por conseguinte, dos partidos políticos), não há como ignorar, sobretudo em períodos de campanha eleitoral, todo o “ruído político” produzido e amplamente difundido na comunicação social. A ação política já não é o que era! Perdeu interesse e “qualidade”. Não responde às necessidades, problemas e ambições dos mais novos, esgotou/venceu os mais idosos que já pouco acreditam em mudanças/reformas genuínas e faz-se agora principalmente na televisão, espaço onde se realizam pequenos debates (parcamente elucidativos) que não ganham em audiências a consagrados e duvidosos programas de entretenimento. Já não se organizam grandes comícios ou arruadas, talvez por culpa da pandemia, e usa-se ainda tímida e incorretamente as plataformas digitais, concretamente as redes sociais, aquelas mesmas que permitem aos partidos mais pequenos/emergentes comunicar uma mensagem que não tem palco nos grandes órgãos de comunicação social e, portanto, que não é conhecida do grande auditório.

Se fizesse aqui um pequeno resumo da mensagem que os partidos políticos quiseram passar nestes dias, para além das polémicas que envolveram os animais de estimação de alguns líderes, diria que a grande nota/marca é que António Costa começou a campanha eleitoral a pedir a maioria, mas a 3 dias do voto nas urnas (27 de janeiro) as sondagens da SIC e da RTP apresentaram um cenário de empate técnico (com ligeira vantagem para o PS) e, então, o líder lá acabou a dizer que falava com todos. Na noite eleitoral, marcada por algumas surpresas, todos percebemos que as sondagens/inquéritos amostrais falharam. Porém, ninguém responsável pelas empresas credenciadas pela ERC assumiu tal erro colossal, e foi mais uma vez o “ruído político” – produzido por todos aqueles que deveriam esclarecer o eleitorado – que acabou por triunfar e construir uma narrativa que desprotege a democracia e lhe traça um futuro nada prometedor.

Desenganem-se todos os que julgam que o ruído político acabou com as eleições realizadas em janeiro último. Muito pelo contrário, ele aumentará nos próximos tempos e evidenciará o quanto vivemos numa sociedade que promove a alienação do espectador, que já só dá importância ao que é escândalo/estrondo (e que instiga quase uma imediata resposta pública), moda ou ‘espetáculo’ (pura distração), ainda por mais se for direcionado a alguém que optou por viver alheado de todos os interesses/lobbies instalados e que rodeiam o (nosso) atual sistema político. Em suma, todos os elementos que hoje afetam e/ou perturbam (deliberadamente) o processo de comunicação política (e, por conseguinte, de conhecimento nesta área), têm como principal intenção reforçar o controlo das elites oligárquicas sobre o sistema e afastar os cidadãos da vida política e das instituições.