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Associação ProPública acusa administração pública de práticas "ilegais e ilegítimas"

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A Associação ProPública acusa a administração pública de práticas "ilegais e ilegítimas" ao dar preferência ao atendimento presencial por marcação, apesar de já terem cessado as restrições impostas pela pandemia, segundo uma queixa apresentada.

Na queixa entregue na quarta-feira ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e à provedora de Justiça, a que a Lusa teve acesso, a Associação ProPública -- Direito e Cidadania considera estar em curso um "aproveitamento" do período excecional de resposta à covid-19.

Em causa está "a exigência quase universal de agendamento prévio, telefónico ou por meios eletrónicos, para que um cidadão seja recebido em qualquer serviço da administração pública".

Ora, essa exigência -- sustenta -- viola o direito constitucional do "acesso efetivo, livre e direto aos serviços públicos sem necessidade de marcação".

Ou seja, "o direito dos particulares a serviços públicos acessíveis, expeditos e não discriminatórios está a ser ofendido há mais de um ano e meio", denuncia.

Segundo a associação privada que pugna pela defesa jurídica do interesse público, "os meios alternativos de atendimento que se têm perpetuado violam garantias constitucionais", expressas nos artigos 266.º e 267.º, e "afetam o bem-estar geral das pessoas e comunidades".

Face a isto, a ProPública convoca o Presidente da República, o primeiro-ministro e a provedora de Justiça a eliminarem -- de forma "pronta e enérgica" -- uma prática que considera "injusta, ilegal e inconstitucional", recordando que "o interesse público é o norte da Administração Pública" (para o efeito citam o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, na sua obra sobre Direito Administrativo).

A marcação com antecedência para atendimento presencial nos serviços públicos integrou as medidas de resposta à pandemia de covid-19, mas era "apenas justificada legalmente por força do estado de emergência", explica a ProPública.

Ora, salienta, Portugal não está em estado de emergência desde 30 de abril de 2021 e o estado de alerta que se seguiu cessou a 30 de setembro, o que demonstra a "ilegal persistência" das restrições impostas no passado.

Portanto, nada justifica "as restrições de acesso que as estruturas da Administração continuaram e continuam a impor", que, desde logo, instaura o "privilégio" de uns cidadãos -- os habilitados para utilizarem as plataformas digitais e outros meios eletrónicos -- sobre os outros.

Esta situação afeta "dezenas de milhares de pessoas" e lesa "em especial as camadas mais vulneráveis da população", estima a ProPública, recordando o corolário de "aproximar os serviços das populações".

Reconhecendo "o esforço da maioria dos funcionários que, nos últimos anos e apesar das dificuldades sociais e organizativas, deram o seu melhor para servir o interesse público", a associação assinala que "a administração pública existe para servir os cidadãos e não os interesses próprios de funcionários e burocratas".

Mais afirma que "os direitos de cidadania não são compatíveis com uma cultura organizativa de distanciamento, opacidade e autoritarismo" e, portanto, "não é compreensível que a exceção (...) seja, sem mais, transformada na nova regra da Estruturação da Administração e da sua interação com os cidadãos".

A queixa apresentada pela ProPública resulta de "denúncias" recebidas, que levaram a associação a concluir que, "embora não seja expressamente mencionada a obrigação de marcação prévia", esta é "apresentada como necessária", resultando numa "imposição prática".

A associação exemplifica: "O atendimento através de senha tirada em plataforma virtual corresponde (...) a um agendamento prévio"; o atendimento não agendado é "sujeito ao número de senhas disponíveis diariamente", sempre "escasso", e, portanto, o despacho presencial acaba por ser uma "parte insignificante da prestação do serviço".