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Entre o real e o imaginário

Tornou-se muito fácil explorar sentimentos, fantasias, usar o corpo e os afetos

A era do digital surpreendeu e apaixonou todos os que progressivamente foram encontrando vantagens na sua utilização. Do uso profissional à vida privada, as descobertas e gratificações superaram as expectativas. Comunicar, passou a ser um mundo novo cada vez mais fácil e atrativo. Uma nova cultura surgiu.

As novas gerações cresceram, em tempo de transição, absorvendo com muita mais facilidade os novos códigos de comunicação sem ter ainda um mundo adulto capaz de regular os excessos e as contradições. Por instantes, e têm sido muitos, os mais novos, encontraram um modo próprio de viver sem que os adultos os pudessem acompanhar. E por incrível que pareça, os adultos seguiram, mais devagar, o mesmo caminho, esbarrando nas mesmas dificuldades. Foi sendo criada a ideia de que para além da vida real era possível viver muitas outras, numa realidade virtual onde cada um poderia ser o criador das suas histórias. Este desafio, inicialmente mágico para uns, foi-se tornando progressivamente um risco para outros, essencialmente os mais novos. Entre o real e o imaginário, limite cada vez mais esbatido, cada um pode julgar ser tudo o que não é, explorando identidades virtualmente construídas.

Tornou-se muito fácil explorar sentimentos, fantasias, usar o corpo e os afetos, como se entre o on e a off a intimidade pudesse crescer e acontecer. Entre novelas, e os reality shows, facilitou-se o caminho e o mundo das relações e das emoções tornou-se demasiado fluido apesar de pouco consistente.

Adultos e jovens usam a realidade virtual para comunicarem sentimentos e afetos, com pessoas que conhecem e com quem partilham vida (colegas de escola, de trabalho, amigos, pais, filhos, namorados e casais a viver na mesma casa). Tornou-se mais fácil dizer tudo protegido por um ecrã, com a certeza de que para entrar e sair, dizer e desdizer, basta um clique.

Se para alguns adultos esta opção pode ser uma forma consciente de estar em relação, para os jovens já começou a ser uma forma de viver, assumida como a mais ajustada aos seus interesses e circunstâncias de vida. Pelo caminho de uns e de outros ficam competências não exploradas ou não desenvolvidas, que, essencialmente para os mais novos, comprometem o crescimento e o desenvolvimento saudável, provocando cada vez mais sofrimento.

A privacidade comprometida e a noção de que se pode vasculhar a vida de quem quer que seja ou mesmo assumir identidades falsas, usando a imagem, o nome e tudo o que vai constando no espaço virtual, é outro dos riscos que compromete o bem estar emocional e cria universos relacionais, favoráveis à violência e ao abuso.

Não é possível voltar atrás, mas chegou a hora de repensar o caminho corrigindo práticas e facilitando a vida aos mais jovens. Já existem programas e equipas dedicadas a este trabalho de avaliação, análise e construção de programas pedagógicos adequados. Contudo, é preciso uma consciência coletiva e uma mudança gradual de paradigma que, respeitando a evolução digital, permita e favoreça o seu uso, sem que se destrua o potencial humano. Sem pessoas reais a Vida fica comprometida.