Crónicas

A história real do meu amigo afegão (que precisa de ajuda)

Estamos sempre a dizer que se pudéssemos fazer alguma coisa faríamos, mas chega-se à altura e é mais fácil assobiar para o lado

A quem possa interessar,

A história que vos conto aqui, é real (posso assegurar), oiço-a na primeira pessoa tal como vos transmito. Infelizmente não é nenhum filme de ficção. Há uns anos, tive a oportunidade de conhecer um afegão em Londres, através de uma amiga. A viagem tornou-se inesquecível, pelo que ele me proporcionou, a mim e a um amigo que me acompanhava. Apresentou-me os melhores restaurantes, conseguiu que tivéssemos acesso aos clubes mais privados (onde só se entra com cartão), acompanhou-nos do princípio ao fim, porque tinha prometido à minha amiga que cuidaria de nós e nem o facto de viver a 50 km de distância do centro da cidade, ou de nós querermos festa e termos ficado na rua até às 06h da manhã, o demoveu. Acabou a dormir no sofá do apartamento que tínhamos alugado, porque já não tinha tempo de voltar a casa e regressar a horas para o trabalho. Durante essa noite, falámos da vida e do Mundo, das nossas famílias e de Portugal. Rimos e emocionámo-nos com uma pessoa que havíamos acabado de conhecer. Ficámos bons amigos desde então.

Contou-me que há 20 anos, após a tomada do Afeganistão pelos talibã, foi enviado pelo seu pai com apenas 15 anos, sozinho, numa carrinha clandestina, para fora da sua cidade Mazar-e-Sharif, até Inglaterra, para que, pelo menos ele sobrevivesse se o resto da família sucumbisse, perante o Estado Islâmico.

A semana passada fui surpreendido por uma chamada já passava das 22h. Era ele, de voz trémula e embargada, que mal se conseguia perceber. Tinha ido de férias no fim de Julho com a família, para os filhos conhecerem a terra dele, e foram envolvidos nesta catástrofe. Encontra-se escondido, foi denunciado por alguns conhecidos, por ser ateu e por ter servido de intérprete nas forças militares britânicas em 2012. Acusam-no de espionagem e de falhar com os deveres da religião. A irmã, médica, que estava a montar uma maternidade para mulheres vulneráveis que sofrem de violência doméstica, foi aconselhada a parar. O marido dela, procurador militar, que investigou vários talibãs, encontra-se agora também ele escondido numa casa/esconderijo e é procurado por vários prisioneiros que colocou na cadeia. O Pai, que colaborou com as forças estrangeiras e recebeu várias medalhas e louvores na Europa, pelos seus serviços, tem a cabeça a soldo por traição. Os vídeos que vou recebendo dele, mostram pessoas no bairro a serem levadas pela calada da noite. A purga começou, mas desta vez silenciosa, para que os erros de há 20 anos não sejam repetidos. Os que, como o primo, trabalharam durante anos como suporte dos projectos estrangeiros e que sempre se mostraram contra os talibã, são agora chamados a colaborar com os mesmos, como engodo, para os fazerem desaparecer.

Ele decidiu ficar para trás, para tentar encontrar uma saída para a família. Estas pessoas merecem ajuda. Não conseguem sair de Cabul e têm a vida em perigo. Por cá, tento usar os meus contactos para perceber como podem pedir asilo, ou algum tipo de apoio que as tire de lá, mas as portas onde bato mostram muita solidariedade, mas nada fazem ou podem fazer. É lá longe, interessa pouco, dizem que vão ver e voltam para as suas vidas. Ninguém quer usar um contacto privilegiado, não se gastam trunfos em vão. Não consigo sequer obter informações precisas. Estamos sempre a dizer que se pudéssemos fazer alguma coisa faríamos, mas chega-se à altura e é mais fácil assobiar para o lado. Gostava de ter respostas para todas as perguntas que recebo pela manhã. Gostava de encontrar soluções para tanto desespero, mas sinto-me impotente.

P.S. A fotografia é dele, mas foi alterada a seu pedido para que não seja identificado.