Análise

‘Venha viver na Madeira’

Drama demográfico confirma necessidade de reposicionamento

Há dias em que o ‘cantinho do céu’ se torna quase insignificante, entretido com banalidades resultantes da iliteracia mediática e onde quase tudo se desmorona à conta da fatalidade anunciada. Basta que a maré feita de estudos e inquéritos suba e chegue com pujança aos alicerces do sistema que sempre quis defender os seus sem deixar de hostilizar os outros. Basta que se levante o tapete poeirento debaixo do qual se escondem favores e intrigas com décadas. Basta que o dinheiro prometido demore, que se zanguem os decisores e que a imprensa faça o seu trabalho.

O drama demográfico não tem sido gerido com rigor, nem abordado com inteligência. Os resultados preliminares dos Censos de 2021 limitam-se a confirmar o que já se sabia. Somos cada vez menos, mais velhos e cansados, ainda que mais urbanos. Deixemo-nos pois de fantasias e circos, de silêncios tácitos e de argumentos ridículos. Tanto é hilariante achar que as vias rápidas ajudam a fixar residentes nos concelhos rurais, como considerar que há estratégias ao nível da natalidade pensadas e testadas para evitar êxodos.

O alerta do Presidente da ALM no Dia da Região deveria ter tido consequências. O retrato foi feito: “O principal problema, estrutural e difícil, que a Madeira tem pela frente é o da demografia. Sei que não é uma questão para aqueles que só se preocupam em fazer a política do dia a dia e do espetáculo para as televisões, mas esquecem que estamos a comprometer o futuro. Sei que este pode ser um tema que não rende votos, nem ganha eleições, mas é com toda a certeza o maior desafio que temos de vencer. Sei que não é um ponto da agenda política...”. E depois?

Repensando a equação, concluímos que, na prática, sem imigração estamos entregues ao despovoamento irreversível. Queremos os endinheirados, os que escolhem a Madeira para viver os últimos anos de vida com qualidade acima da média, de mãos dadas com o bom tempo e alguma tradição ainda resistente a modas que ameaçam a autenticidade. Queremos os que fazem a diferença, os que podem ajudar os mais dedicados a serem talentosos sem complexos. Queremos também os que já fazem falta na construção, na hotelaria, nas limpezas e nos cuidados tal é o número de queixas dos empregadores sem recursos disponíveis para poderem cumprir com obrigações contratuais que assumiram.

Uma opção que obriga a uma mudança de mentalidades, à aceitação das diferenças, a uma cultura interclassista e inter-racial, desprovida de preconceitos e de tiques intolerantes. Uma opção que cative gente de todo o lado que venha mais do que visitar a ilha durante uma semana ou passar temporadas ao abrigo dos notáveis projectos, como os nómadas digitais, mas que invista nas novas oportunidades.

Uma opção séria que não se faz com meia-dúzia de ‘influencers’ cor-de-rosa ou panfletos promocionais, mas que implica reinvenção.

Conheço uns amigos com mundo dentro, que trabalham em rede e estão fartos dos provincianismos em curso. Por isso, tencionam lançar um novo movimento global de atracção de gente com bom gosto e ideias, que faça da ilha um lugar apetecível. Entendem que a Madeira tem quase tudo para ser feliz. Mas falta gente. Que lhe dê dimensão e atitude.

Assumem que a Madeira é um destino seguro, que deverá sair muito fortalecido da pandemia. Um destino que convida a viver demoradamente para que assim se esbata factores que não dominamos, como os preços das viagens para aqui chegar. Um destino em que as unidades hoteleiras podem fornecer serviços integrados, fazendo que seja possível associar a residência ao trabalho. Um destino em que o turismo residencial pode ser, realmente, um negócio de milhões.

Urge reposicionar a Região no mapa do futuro. De que estão à espera para torná-la mais atractiva para os negócios, por via de uma menor carga fiscal em todo o território e não apenas num centro de interesses? O que falta para convencer famílias ávidas de espaço e de tempo para os seus? Será difícil começar a convidar com insistência quem nos segue e visita, nos inveja e cita a um pomposo ‘Venha viver na Madeira’?