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Literacia em saúde? Uma urgência!

Parece haver uma cultura em torno de medicina que endeusa os médicos, os que detêm o conhecimento capaz de salvar vidas, os que dominam toda aquela nomenclatura técnica e os que executam os mais complicados processos clínicos – a superioridade inerente a este ofício.

No entanto, esta é uma visão arcaica. O objetivo da medicina, para além de tratar, passa pelo estabelecimento de uma relação de igualdade com o paciente, não de “patriarca”. Mas tal tarefa é dificultada quando o interesse e o conhecimento dos cidadãos são tão exíguos.

A inexistência de alicerces no saber da área da saúde, em domínios com os quais, mais cedo ou mais tarde, todos teremos contacto, reflete-se nos resultados do inquérito de literacia em saúde em Portugal (HLS-EU-PT), realizado em 2016, onde mais de 61% da população inquirida apresentava um nível de literacia em saúde problemático ou inadequado.

A falta de conhecimento e a credulidade perante informação, claramente, errada, apenas demonstra a falta de pensamento crítico nesta área, que é comum a muitos de nós:

“Mas uma infeção bacteriana é diferente de uma viral?”.

“O que é uma doença crónica? Se os sintomas já passaram porque não posso parar de tomar os medicamentos?”.

“O ibuprofeno e o paracetamol não são a mesma coisa?”.

“Estes comprimidos ajudaram a minha prima. Que mal tem se começar a tomar também?”.

“Tomar vacinas? Mas ontem vi um post no Facebook que apresentava 10 razões pelas quais devia evitar ser vacinado”.

Depois surge o Dr. Google com uma listagem de doenças associadas a um dado sintoma que, inevitavelmente, levará ao amedrontamento do paciente.

E o que resulta disto? Um sistema de saúde sobrecarregado e uma população iletrada em saúde.

Claro que não digo que o leitor deva saber o nome de centenas de fármacos ou de milhares de doenças. Se tiver esse interesse, terá à sua disposição mais de 10 anos de ensino. O imperativo é a literacia em saúde.

Mas, afinal, o que é a literacia em saúde? Segundo a OMS, é a capacidade de compreender e usar informação que promova e mantenha a boa saúde.

O papel do médico é fundamental. Cada consulta é uma oportunidade para promover esta literacia. Mas o sistema está no limite da sua capacidade. E isso é da responsabilidade de cada um de nós, quando marcamos uma consulta por tosse persistente há dois dias, pensando precisar de antibióticos, ou quando corremos para as urgências ao mínimo sintoma. Enquanto a fila de utentes aumenta, o tempo por consulta diminui e a janela de intervenção também.

Assim, o médico não pode ser o único responsável. A literacia em saúde tem de ser um investimento público. A responsabilidade passa, também, pelas escolas, que devem procurar criar um programa mais abrangente na área da saúde, pelas autarquias, através do investimento em estratégias para combater esta falta de conhecimento, e pelo próprio cidadão que deve procurar informar-se, corretamente.

E o que se pretende? O empowerment do cidadão. Isto é, a capacidade crítica de tomar decisões fundamentadas na área da saúde.