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Ylva Johansson defende a criminalização de quem recorre ao serviço de tráfico humano

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A comissária europeia para os Assuntos Internos defendeu hoje que acabar com a "cultura de impunidade" em torno do tráfico de seres humanos passa por criminalizar quem recorre aos serviços das vítimas deste crime.

Numa conferência internacional, enquadrada na presidência portuguesa do Conselho da União Europeia e realizado, em formato híbrido, a partir de Lisboa, a comissária europeia Ylva Johansson defendeu a criminalização do "recurso a serviços" decorrentes do tráfico de seres humanos, quer seja para fins de exploração sexual quer laboral.

Combater esta violação de direitos humanos obriga também a "seguir o rasto do dinheiro" de um negócio milionário que se esconde "atrás de actividades económicas legais", assinalou.

De "negócio de alto risco altamente compensador", o tráfico humano tem de passar a "negócio de alto risco pouco compensador", concretizou.

Na mesma sessão de abertura da conferência internacional "Dez anos sobre a Directiva Europeia Anti-Tráfico e a nova Estratégia Europeia para o Combate ao Tráfico de Seres Humanos (2021-2025)", a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, concordou que "a redução da procura", através da "criminalização de quem usa os serviços das vítimas", é algo que "deve mobilizar" a comunidade, porque, sendo "desafiante", é "estratégico", para "acabar com a impunidade.

Ylva Johansson e Rosa Monteiro realçaram também a importância da "dimensão de género" na abordagem à violação de direitos humanos.

"O tráfico é um crime de homens contra mulheres", frisou a comissária, referindo vários números que o confirmam: a maioria dos perpetradores são homens, três quartos das vítimas são mulheres e meninas.

"Só o podemos combater se compreendermos que é um crime de género", insistiu, indicando que tem recebido "fortes mensagens de apoio" para "seguir em frente" com o "combate a um crime que trata as pessoas como mercadorias".

Realçando que "os menores desacompanhados que chegam à Europa são alvos fáceis de tráfico", Johanson reconhece que persistem "falhas", nomeadamente na proteção das crianças. "Temos de tratar as crianças como crianças, ajudá-las como crianças", mesmo nos casos em que não se consegue confirmar a sua idade, mas "parecem crianças".

Para tal, sustentou a comissária, "a polícia tem de estar treinada para falar com crianças, em lugares amigáveis para crianças" e estas "não podem ser julgadas por actividades criminais que foram forçadas a cometer". Garantir o acesso à educação e apoiar as famílias de crianças traficadas são outros dois factores essenciais, acrescentou.

"Combater a exploração sexual de crianças é a nossa prioridade número um", frisou, dizendo que é preciso "proteger, apoiar e capacitar as vítimas", apoiando a sua recuperação, mas também "treinar profissionais para perceberem os sinais".

A comissária lembrou que o tráfico "é um crime cometido na Europa, por europeus", no qual "metade das vítimas são cidadãos da UE".

O tráfico de seres humanos, realçou, tem de ser combatido como "crime organizado, crescentemente violento e crescentemente profissional". E, além disso, transfronteiriço, o que obriga ao aumento da cooperação policial e ao reforço da resposta das autoridades.

"A legislação europeia é uma forte ferramenta que temos ao dispor", sublinhou, mas reconhecendo que não basta haver "legislação da UE", é preciso haver também "prática da UE".

É esta a abordagem da nova Estratégia Europeia para o Combate ao Tráfico de Seres Humanos (2021-2025), que a Comissão Europeia apresentou em Abril e a que Portugal dará atenção, numa altura em que tem de rever o plano de acção nacional sobre o mesmo tema, adiantou Rosa Monteiro.

Presente na mesma sessão, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, frisou que a UE não pode correr o risco de ter "um 'apartheid'" de vários modelos jurídicos entre os 27 Estados-membros, sendo fundamental que todos respeitem a legislação europeia.

Defendendo uma "maior atenção ao tráfico para fins laborais", que representa 15% do total, o ministro defendeu o reforço da cooperação com países terceiros.

Sendo um "fenómeno criminal grave e complexo", o tráfico de seres humanos "exige uma forte e activa cooperação internacional", corroborou a secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, presente na mesma sessão.

Considerando que "muito se evoluiu" na última década e que hoje há "legislação mais adequada" e "técnicas de investigação mais efectivas", a governante reconheceu que "persistem grandes desafios para combater o crime e para identificar e proteger as vítimas".

Defendendo "o centramento nas vítimas", Rosa Monteiro alertou para o impacto da actual situação pandémica, "o caldo perfeito para a proliferação de crime organizado".