Crónicas

Domingo à tarde no retiro do grupo de jovens

O grupo formara-se na vizinhança e tinha origens diferentes, mas eram todos do Laranjal, do Lombo dos Aguiares e do Trapiche

Atravessar aqueles anos estranhos da adolescência foi como cruzar um campo minado onde, poucas vezes, as circunstâncias jogaram a meu favor. Sei que, sem perceber bem como, passei a viver num corpo com formas de mulher e isso aconteceu quando os rapazes ainda me pareciam todos tolos. Eu não mudara, era a mesma, mas fiquei refém numa espécie de limbo, nem criança, nem adulta. E o quadro não melhorou até a minha mãe entender que, por mais que quisesse, as meias de renda de algodão até ao joelho não ficavam bem à adolescente gorducha que lhe crescera em casa.

A minha mãe vinha de um outro tempo, não estava preparada para aquele ambiente pop, estilo revista Bravo, que nos enchia a cabeça e ia além da música e dos cantores, dos posters que se colavam no interior da porta do guarda-fatos. Fazer uma permanente, usar jeans e dar duas dobras na manga da t-shirt era o mesmo que dizer que se estava vivo. E estar vivo incluía ter um grupo de amigos, daqueles para falar depois das aulas, para ir ao cinema e às matinés das discotecas nos sábados à tarde. Os adolescentes juntavam-se, fazia parte do espírito dos anos 80 e podia ser o grupo da rua, da escola. Ou, como me calhou a mim, o grupo de jovens da paróquia.

Não foi bem uma escolha, nem teve uma motivação religiosa. Eu não tinha muita fé aos 14 anos, sobretudo não tinha jeito para as reflexões de domingo à tarde, quando o padre Rebola apelava à introspecção nas reuniões depois do almoço. A cabeça fugia-me para assuntos menores como a roupa que ia vestir no dia seguinte ou o lanche em casa das minhas tias. Lembro-me de fechar os olhos como faziam os outros num esforço para seguir as regras e continuar a fazer parte do grupo da paróquia. Eu gostava disso, de poder estar ali com aqueles rapazes e raparigas, quase todos mais velhos, certamente mais empenhados na fé católica.

O grupo formara-se na vizinhança e tinha origens diferentes, mas eram todos do Laranjal, do Lombo dos Aguiares e do Trapiche onde os dias corriam mais ou menos da mesma maneira. Os pais e as mães pensavam todos mais ou menos da mesma maneira e, não fosse a supervisão do padre, não teríamos maneira de ir a encontros de jovens católicos na cidade, a passeios à serra, nem teríamos feito teatro e festas no salão paroquial com uma bola de espelhos a rodar como numa discoteca a valer. E, de certa maneira, foi com aquelas pessoas que atravessei o tal campo minado da adolescência.

As melhores conversas aconteceram no adro da igreja, a ouvir os mais velhos. A primeira vez que dancei um slow foi no salão paroquial que, na verdade, não passava de uma garagem em cimento com um palco. Naqueles anos em que as circunstâncias não jogavam a meu favor, entre os meus 13 e os 15 anos, passei umas férias de Verão memoráveis na paróquia, enquanto se ensaiava um espectáculo de teatro e eu fiz dois papéis. Até fomos depois em digressão ao Estreito de Câmara de Lobos, o que me pareceu um sonho, algo de extraordinário, como se fosse artista de verdade.

O teatro foi o nosso ponto alto e a última vez que estivemos juntos, alguns não voltei a ver. As nossas vidas estavam prestes a seguir caminhos diferentes. Os mais velhos tinham opções para tomar como ficar noivo, emigrar ou tirar um curso. Eu estava ainda longe das grandes decisões, mas quando que deixei de ir os retiros de domingo à tarde tinha já planos para o futuro que, imaginava, seria noutro lugar. E foi, mas isso não me impediu de guardar com carinho a memória do tempo em que fui jovem e fiz parte do grupo de jovens.

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