Crónicas

O bom, o mau e a estrela cadente

Churchill dizia que a oposição nunca ganha eleições, é sempre o poder que as perde

Ao ritmo da bazuca, o primeiro-ministro correu o País a anunciar a vitória eleitoral do PS. Até que veio o dia das eleições e a anunciada vitória nunca chegou. Costa até pode chamar a si o triunfo aritmético - afinal conquistou mais câmaras e freguesias do que o PSD - mas sabe que não pode cantar vitória. Já Rui Rio, que ficou atrás do PS em todos os indicadores e, por isso, perdeu as eleições, ganhou a noite e, se calhar mais importante, provou que o PS não é imbatível. Rio ganhou novo fôlego até 2023, mas não se pode esquecer que autárquicas não são legislativas.

O bom: Pedro Calado

Churchill dizia que a oposição nunca ganha eleições, é sempre o poder que as perde. No Funchal, o resultado eleitoral encontra muitas respostas nessa constatação. Miguel Silva Gouveia teve um final de mandato desastroso. A obra do matadouro que ficou por inaugurar, a Estrada Monumental fechada para obras e a requalificação do centro de Santo António iniciada poucos dias antes das eleições, são exemplos disso. Por outro lado, a avaliação positiva da gestão da pandemia pelo Governo também ajudou a desenhar, especialmente no Funchal, a vitória de PSD e CDS. Mas se a incapacidade do anterior poder municipal, e a competência do poder regional, explicam parte dos resultados eleitorais no Funchal, o resto da resposta está em Pedro Calado. Não que seja um homem providencial, mas porque soube capitalizar a vontade de mudança que se sentia na cidade. À narrativa centrada no passado, por vezes recuando mais de 20 anos, Calado respondeu com um discurso focado no futuro. A uma campanha assente na desinformação e na promoção do medo, ripostou com propostas concretas e um projeto claro para a cidade. Talvez Pedro Calado não tenha feito uma campanha perfeita, mas fez uma campanha positiva. Era disso que as pessoas precisavam. De quem lhes falasse mais sobre o futuro do que sobre o passado. De quem assumisse, sem desculpas, a gestão da cidade. De quem pusesse o Funchal à frente das tricas partidárias. Que me perdoe Winston Churchill, mas nas eleições para a Câmara do Funchal não foi o poder instalado que perdeu, foi a esperança de uma cidade melhor que ganhou.

O mau: PS Madeira

Em 2001, após uma estrondosa derrota eleitoral, Guterres demitiu-se para evitar o pântano no Partido Socialista. Mal sabia Paulo Cafôfo que, 20 anos depois, estaria numa situação parecida. A diferença entre Guterres e Cafôfo? O primeiro tentou evitar o pântano, o segundo acolheu-o de braços abertos. Mas o mergulho pantanoso começou muito antes, com a escolha dos candidatos autárquicos. Cafôfo recrutou a maioria dos candidatos no seu grupo parlamentar. Resultado da estratégia? 6 deputados queimados, em municípios onde dificilmente ganhariam. E depois da fuga apressada do seu Presidente, o que resta do Partido Socialista na Madeira? O habitual. As guerras de paróquia. Os antigos líderes que se insinuam. Os senadores que assistem a uma distância segura. Os sobreviventes que procuram a melhor trincheira. Os calculistas que preferem esperar para depois de 2023. Em maior ou menor número, talvez todos os partidos tenham estas personagens. O que não têm é a intriga palaciana constante, omnipresente, que grassa nas hostes socialistas. No PS, ser líder é estar sob ameaça. Que o digam Carlos Pereira, Emanuel Câmara e até o próprio Paulo Cafôfo. E essa iminência repetida de um golpe impede a existência de um projeto político previsível, coerente e com continuidade. Ao ritmo da insídia, até surpreende que alguém queira candidatar-se à liderança do PS. É que enquanto se prepara uma candidatura, ouvem-se, ao longe, o barulho das facas a serem afiadas.

A estrela cadente: Paulo Cafôfo

E tudo o vento autárquico levou. Levou o presidente, o líder parlamentar, o secretário-geral e o coordenador eleitoral. O vento só não levou mais, porque a liderança socialista estava reduzida a este quarteto. Escrevi, neste espaço, que nas eleições para o Funchal, mais do que o futuro da Câmara, jogava-se o destino da liderança socialista. Por isso, face à hecatombe eleitoral, que vai muito além do Funchal, a demissão de Paulo Cafôfo não surpreende. O que causa profunda inquietude é o tempo e a forma como Cafôfo saltou do naufrágio socialista. Primeiro, o abandono a Miguel Silva Gouveia e à Coligação Confiança em noite de derrota eleitoral. É impensável que perante o desaire no Funchal e a implosão iminente de uma coligação que ajudou a construir, Paulo Cafôfo não tenha oferecido amparo a Gouveia na hora da derrota. Aliás, o desaparecimento do PS na derrota no Funchal, pontuado pela ausência reveladora da sua candidata à Assembleia Municipal, deixa antever um mandato complexo para os socialistas. Até que, depois da concessão de Gouveia, chegava o anúncio de Cafôfo. Apressado na decisão, como se esperasse há meses por uma justificação para abandonar o barco que, sentia, não o levaria a bom porto em 2023. Debruçado sobre si mesmo, falou da sua honra, da sua dignidade e do seu caráter. Eu, eu, eu. Na noite em que o PS perdeu, Cafôfo preferiu falar sobre si. Confundiu desprendimento, com falta de compromisso. Trocou solidariedade partidária pela sua própria absolvição. Paulo Cafôfo passou pela política madeirense como uma estrela cadente. Cintilante mas inconsequente.