Crónicas

O futuro chega sempre

Eu lembro-me de olhar para os anos que se estendiam à minha frente e de me inquietar com o ano 2000, uma data a partir da qual estaríamos todos no futuro. E visto dos anos 70, ainda sob influência do Espaço 1999 e do Caminho das Estrelas, a Lua iria sair da órbita da Terra e as pessoas viveriam em naves e enfiadas em roupas estranhas. Dotadas de muitos conhecimentos, capazes de se teletransportar, mas sem maneira de encontrar, no imenso espaço, o caminho de regresso a casa.

O ano 2000 metia medo também às velhas e às mulheres dos bordados que, volta e meia, o assunto vinha à discussão e havia sempre uma voz que falava do fim do Mundo. A minha tia Teresa costumava dizer que sim, o fim do Mundo haveria de chegar para muitos antes mesmo do século mudar. “O mundo acaba para quem morre”, explicava-me à hora do lanche, nos sábados, quando ia ajudar a limpar a casa do meu avô. E eu tinha medo na mesma. À noite, enquanto o sono não chegava, a ideia do fim gelava-me os pés.

Aquele cruzar da ficção científica das naves da televisão com as leituras do Apocalipse na missa não me sossegavam e ninguém, além da minha tia Teresa, parecia disponível para explicar o que quer que fosse. Vivíamos ainda tempos complicados, os governos duravam pouco em Lisboa e os preços das coisas não paravam de subir. A minha mãe e o meu pai estavam imersos nos problemas de todos os dias e o meu irmão não era grande ajuda. Nem eu iria admitir que, debaixo do meu manto de rapariga sem medo de andar à porrada e capaz de apanhar lagartixas com a mão, estava uma miúda paralisada pela passagem do milénio e por tudo o que podia trazer.

Além das naves e dos carros voadores, o futuro que se estendia para lá do século XX implicava imaginar-me adulta, com mais de 30 anos e a caminho de me transformar numa senhora como eram as minhas tias e a minha mãe. E eu não queria ser isso, mesmo com a minha enorme vontade de crescer para usar sapatos de salto, uma mala a tiracolo, batôm e rímel, a minha ideia era ficar para sempre nos 20 anos, jovem e fresca como as heroínas dos filmes e das telenovelas.

Depois disso, dos 20 anos, o tempo da aventura acabava e as pessoas envelheciam, tornavam-se senhores e senhoras e começavam a longa travessia da meia-idade. Nem velhos, nem novos, acusavam o desgaste em carecas luzidias e corpos roliços e, pior, perdiam o lado mágico. Ou eu imaginava que perdiam, já que as minhas tias e a minha mãe ocupavam o tempo em temas tão áridos como o jantar, as doenças, o dinheiro, sobretudo a falta de dinheiro. De modo que eu não queria ser nada além dos 30 anos.

E talvez por isso nunca imaginei como seria quando chegasse aos 50 anos, ao momento em que me encontro agora, 21 anos para lá do ano de todos os medos. Ainda não há naves a cruzar os céus, cheias de pessoas que perderam o caminho de casa, nem carros a planar acima do nível do chão, mas fazemos quase tudo através de um telefone que cabe no bolso das calças. Falamos, tiramos fotos, pagamos contas e somos informados ao segundo.

O futuro não pede licença, acontece, tal como a idade, mesmo que se tenha medo ou não se queira.

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