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6 perguntas para a ciência responder, ou não?

A pandemia que vivemos constitui um grande desafio à humanidade e desafiou todas as áreas, desde a governação à religião, da economia à solidariedade. Há uma na qual colocamos a fasquia muito alta, a ciência. Covid e ciência foram “sinónimos” em 2020, mas há muita ciência para além do Covid.

Confesso acreditar que a humanidade floresce numa simbiose entre compaixão e conhecimento científico. Penso que a ciência, a religião, mesmo a espiritualidade, podem conviver, com certas regras, num mesmo teto.

Opostas destas duas, o negacionismo, agora na moda e associado às teorias da conspiração, é apoiado por políticos como Donald Trump e outros. Recusam as evidências científicas ou reinventa-as, como a utilidade da máscara, vacinação, e o afastamento social na pandemia.

Agora que acaba o ano, creio precisar-se duma análise descomplexada à ciência, à sua importância e capacidade em responder a perguntas difíceis. Como exercício abstracto, li sobre alguns dos principais artigos científicos dos últimos anos e, arrisco-me, insinuar 6 perguntas difíceis, às quais esses mesmos artigos procuram respostas:

De onde viemos, como espécie? Na última década descobrimos muito sobre a nossa evolução. Desde a evidência do uso de instrumentos manufacturados há dois milhões de anos, onde hoje é a China, ao primeiro estudo genético de uma jovem ancestral, híbrida entre Neandertal e Denisovan, com o esqueleto datado de 90 mil anos. Combinando arqueologia com genética, temos uma visão da nossa linha evolutiva, começamos a saber onde e quando apareceram os nossos ancestrais, confirmando Darwin, com todas as suas ilações civilizacionais.

Temos a chave da fábrica da vida? Uma descoberta revolucionou a genética, o sistema CRISPR. Um mecanismo de defesa imune existente em bactérias, depois adaptado para outro fim, no caso editar o DNA, como uma “tesoura e cola”, facilitando fazer sequências de material genético a “La cart”. Útil em situações como a vacina Covid por exemplo, permitiu porém o primeiro nascimento geneticamente modificado em 2018, duas bebés chinesas, para consternação da comunidade científica, que agora pede normas de conduta globais.

Podemos mudar o curso de uma doença? Passou despercebido num ano que o Covid dominou, mas a OMS declarou extinto o surto de Ébola em África (2014-2020), resultado de um esforço conjunto de controlo epidemiológico e vacinação. Um pequeno vislumbre do que queremos para outras doenças, como o HIV.

O nosso clima, que propiciou o aparecimento de vida, condicionará essa mesma vida? As evidências acumulam-se. Agora sabemos com exactidão, à escala planetária, onde, porquê e a que ritmo crescem os níveis de CO2 e as consequências nos ecossistemas, como divulgado pelo IPCC da ONU. A ciência proporciona aos decisores todos os instrumentos para atuação atempada. Servirá para algo?

Estaremos confinados ao planeta Terra? Até há 25 anos só detectamos estrelas fora do sistema solar mas hoje estão descobertos também 4379 planetas fora do sistema solar. Uma revolução na astronomia, mas o pouco que sabemos sobre eles é intrigante, pois a norma, é a enorme diversidade entre eles. O famoso telescópio Hubble terá sucessor muito mais potente (John Webb) em Outubro de 2021 e, a partir daí, muito mais se saberá. Para desconsolo de Hollywood, a conclusão preliminar dos estudos Kepler/Nasa, é que eles distam tanto da Terra, são tão “agrestes”, que o melhor para a humanidade é conservarmos bem o nosso planeta.

O Universo é só aquilo que vemos? Durante séculos, a Luz (radiação eletromagnética), seja luz visível, ultravioleta, RX, ondas curtas, etc, foi o meio de conhecer o mundo que nos rodeia seja fotografar um planeta, uma bactéria ou uma flor. Ela é uma das quatro forças fundamentais, a par com as duas nucleares, forte e fraca (que unem os átomos). Resta a quarta, a gravidade, que atrai e repulsa os corpos pela sua massa. A gravidade foi promovida ao estrelato por Einstein, rompendo com toda a tradição científica. A descoberta das ondas gravitacionais, pelo Ligo/americano e o Virgo/europeu, abriu, 100 anos depois o seu artigo, uma enorme janela científica, cujo alcance é uma incógnita.

Há um século as descobertas eram resultado da argúcia e empenho de um par de cientistas. Hoje, maioritariamente, são o resultado de uns milhares. A ciência tornou-se mais previsível, mais colaborativa e transparente. Mas é também mais cara, precisa de ser auto-regulável e não deve largar a mão da compaixão. Como diria Carl Sagan, o mais perigoso é mesmo acreditarmos piamente naquilo que queremos que seja verdade…

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