Um Natal às escuras

As luzes já brilham por ruas e avenidas enquanto a calçada húmida reflecte os seus raios. Mas há um silêncio esmagado que se julga ser uma manifestação da paz em suspense, que a chuva arrefece. Homens e mulheres vão surgindo aos poucos como vultos, e por entre sombras espaçadas. As montras exibem e ostentam algum luxo. Noutras, apenas grãos da vida, que se destinam à mesa pobre da ceia provável, talvez feliz, se a família se juntar e o Senhor não faltar. A água escorre em magros rostos como lágrimas disfarçadas em pensamentos duros, que se arrastam passo a passo distraídos e pesados, mas no caminho do ganha-pão, que o patrão exige de obra a baixo custo. Com este salário talvez a prenda dos filhos e dos demais que hão de chegar, fique mais uma vez adiada para uma festa que é de esperança antiga e sempre também de preocupação. A mãe e avó, está de cama sob vigilância do postal da santa devoção, emoldurada sobre a mesa de cabeceira. O pai e marido sem trabalho. O bébé a precisar de fraldas, que as que há estão a secar na corda, ao tempo molhado, que não ajuda. Não há lareira que aqueça, que onde ela se incendeia o perigo espreita e o veneno da fumaça mata. Por isso este frio por toda a casa e na alma que cala. Também não há chaminé que anuncie que nesta casa mora gente, e por isso o Pai Natal não pode entrar por ela e deixar os os presentes, que nos contaram nas histórias da infância ser uma tradição haver, e que começavam todas por, “era uma vez...”. O velho barbudo e gordo, carregador do saco da fantasia universal, não tem culpa nem deste inverno nem desta forma de vida, magra. Este Natal vai ser como sempre foi. Descolorido. A contar trocos, a desejar que não falte a luz, nem as velas já tocos só, juntas aos medicamentos que a mãe nossa necessita e quase a acabarem. Os meninos, ao menos têm saúde e o pai olha por eles enquanto eu caminho, trabalho, e levo algum sustento de volta a casa, para repartir pelos que lá ficam. Talvez o Artur ainda venha a ter a mochila nova e as sapatilhas que lhe prometi no ano passado. Talvez. Tenho sorte. Sou rija e aguento todos os natais que um atrás de outro nos castigam e nos fazem comer pão que o diabo amassa junto ao “presépio” repetido, que não se desfaz e aonde penduro as agruras como se fossem rebuçados. Ainda bem que a Festa Sagrada em honra do Menino Divino só se comemora uma vez por ano. Deve ser Ele, que não quer que a gente sofra mais vezes nesta época, que de fartura será por lá, mas dor esconde aqui. Estou-Lhe grata por isso. Por viver entre algum amor. Obrigada meu Jesus. Louvado sejas!

Joaquim A. Moura

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