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Merkel, primeira mulher chanceler na Alemanha assinala 15 anos no poder

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Angela Merkel, a primeira mulher a liderar o governo alemão, cumpre, este domingo, 15 anos como chanceler, ultrapassando "muitos dos seus homólogos, em reputação e competência", defendeu à Lusa o polílogo Ulrich von Alemann.

Quando chegou ao Bundestag, o Parlamento alemão, em 1990, poucos adivinhariam que, oito anos depois, Angela Merkel seria secretária-geral da União Democrata-Cristã (CDU) e, em 2005, eleita chanceler da Alemanha.

Em declarações à agência lusa, Alemann garantiu que Merkel é "muito diferente" dos seus predecessores na Alemanha, Gerhard Schröder e Helmut Kohl.

"Sem machismo, sem a atitude 'sou o maior', sem exibicionismo, mas sim pragmatismo, inspirando confiança, com os pés assentes no chão (...) Macron, Johnson, Conti, Suarez ou Trump, Bolsonaro, Erdogan e Putin, ela está à frente de todos esses concorrentes em reputação e competência", salientou.

Para Benjamin Höhne, vice-diretor do Instituto de Pesquisa Parlamentar (IParl) "foi, e é muito importante para a Alemanha, ter uma chanceler mulher, que cresceu no leste do país".

"Essa combinação de aspetos não era esperada, e a verdade é que inicialmente poucos acreditavam que ela viria a ser chanceler. Foi até tida como uma solução temporária, mas vemos agora que se manteve no poder 15 anos. É extraordinário olhar para trás e perceber que teve um ótimo percurso como chanceler, e que se tornou numa grande líder e estadista", realçou.

Os dois analistas políticos, ouvidos pela Lusa, consideram 2015, marcado pela entrada de mais de um milhão de refugiados na Alemanha, um dos anos mais marcantes da governação de Merkel.

"Na crise dos refugiados, ela manifestou empatia e compaixão. Houve uma disputa difícil na Alemanha sobre esse assunto, mas hoje a maioria concorda que ela fez um bom trabalho", considerou Ulrich von Alemann.

"Merkel foi criticada por ser relutante e ter explorado politicamente a situação", apontou Höhne, "mas foi o não ter sido tradicional, não criando barreiras aos refugiados, que demonstrou que as suas decisões foram equilibradas", acrescentou.

"Ela lutou por algo que acreditava ser bom para a Alemanha, para a Europa, mas principalmente para os refugiados, e demonstrou enormes qualidades de liderança e uma capacidade anormal de tomar decisões difíceis", afirmou.

Apesar disso, a crise dos refugiados, em 2015, e a crise financeira, em 2008, conduziram também a um dos momentos vistos como mais negativos nos últimos 15 anos.

"Foram os dois momentos que trouxeram os maiores problemas à Chancelaria, e que ajudaram a estabelecer o partido de extrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha), que passou a ter assento no Bundestag desde as eleições de 2017", referiu Alemann.

A ausência de uma sucessão e de uma "transição suave" na liderança da CDU é apontada pelos dois politólogos como outro aspeto menos positivo.

"Existe uma batalha interna pela liderança, mas nenhum dos candidatos foi, até agora, apoiado por Merkel. Ela recomendou a atual presidente da CDU, Annegret Kramp-Karrenbauer, que não se conseguiu aguentar no cargo", comentou Ulrich von Alemann, acrescentando que "a sua solução ideal não acontecerá".

"É esperado, com elevado grau de probabilidade, que Angela Merkel complete o seu mandato como chanceler, o que significa ter uma liderança forte até às próximas eleições gerais, no outono do próximo ano. Temos candidatos anunciados, mas nenhum outro político defende estabilidade, previsibilidade e confiabilidade como Merkel", sustentou Benjamin Höhne.

A gestão da atual crise provocada pela pandemia de covid-19 é também vista de forma positiva pelos analistas, destacando a rapidez e flexibilidade de Merkel a tomar decisões, mesmo sendo difícil conseguir o acordo de todos os dezasseis estados federados.

De "Mädchen" a "Mutti", Merkel fez da imprevisibilidade política o seu próprio laboratório

Saia-casaco, de diferentes cores, mãos em triângulo, discurso claro e conciso, uma imagem que foi evoluindo ao longo dos últimos 15 anos, mas que continua a ser uma incógnita para muitos.

Angela Merkel foi considerada a mulher mais poderosa do mundo, mas, mesmo depois de década e meia à frente do governo alemão, marco assinalado no próximo domingo, a chanceler continua a representar um desafio, até para os entendidos. Um bom desafio foi algo que nunca a assustou, bem pelo contrário.

Aluna exemplar, fluente em russo, formou-se em física, escreveu uma tese sobre química quântica e concluiu o doutorado em 1986. Angela Dorothea Kasner, nome de nascimento, cresceu em Templin, no leste da Alemanha, a 80 quilómetros de Berlim, e viu o muro erguer-se com apenas sete anos.

A mãe, professora de inglês e latim, tinha sido membro do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), o pai, um pastor teólogo luterano, simpatizante do Partido Comunista.

Merkel foi membro do movimento juvenil oficial Juventude Livre Alemã (JLA), patrocinado pelo Partido Socialista Unificado da Alemanha, o único permitido na Alemanha Oriental e recusou o convite da Stasi (polícia secreta da República Democrática Alemã, a RDA) para ser informadora.

Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, momento que Merkel acompanhou numa sauna, como em qualquer outra quinta-feira, começava a construir-se o seu percurso político.

A paciência e o pragmatismo, levaram a que, apenas um ano mais tarde, fosse eleita para o Parlamento, assumindo depois os cargos de ministra da Mulher e da Juventude e ministra do Meio Ambiente e da Segurança Nuclear no governo de Helmut Kohl.

Considerada uma das suas protegidas, Kohl tratava-a por "mein Mädchen" (minha menina) até que, uns anos mais tarde, Merkel criticou o seu mentor publicamente, envolvido num escândalo de financiamento partidário, defendendo o recomeço do partido.

Em 2000, foi a primeira mulher a ser eleita presidente da União Democrata-Cristã (CDU), e em 2015, a primeira a ser escolhida para governar o país. A 22 de novembro, vencia o escrutínio com 397 votos favoráveis dos 611 do Parlamento. Seguiram-se mais três mandatos.

Em 2015, a revista Time escolheu-a como "Personalidade do Ano", graças à política de acolhimento de refugiados depois da guerra na Síria e do avanço do grupo 'jihadista' Estado Islâmico. Em 2018 foi a vez da revista Forbes a considerar a "mulher mais poderosa do mundo".

Merkel, com 66 anos, que conservou o apelido do seu primeiro marido, recebeu várias alcunhas ao longo do seu mandato. "Mutti" (uma forma familiar de dizer 'mãe'), para se referir a uma figura de mãe idealizada dos anos 1950 e 1960, promete acompanhá-la, pelo menos até ao final do seu último ano como líder da Alemanha.

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