Machico foi a única autarquia da Região a ser liderada por três partidos diferentes?
As Eleições Autárquicas são um dos actos eleitorais em que a população se sente mais envolvida, talvez por implicar a escolha dos seus representantes mais próximos, como sejam os presidentes da Câmara ou das Juntas de Freguesia.
Foi fazendo valer esse envolvimento que um dos nossos leitores assíduos lançou-nos o repto para verificarmos a veracidade de uma dúvida que gostava de ver esclarecida. Quis João P. saber se Machico foi, até à data, a única autarquia da Região liderada por três partidos diferentes desde 1976, após o fim da ditadura do Estado Novo.
O DIÁRIO aceitou o desafio e foi verificar os resultados dos 13 actos eleitorais para as autarquias locais realizados entre 1976 e 2021, tendo em conta os presidentes eleitos e a sua filiação partidária.
Nas Eleições Autárquicas são eleitos os membros três órgãos distintos: a Câmara Municipal, que é o órgão executivo do município; a Assembleia Municipal, enquanto o órgão deliberativo do município; e a Assembleia de Freguesia, o órgão deliberativo da freguesia, de onde resulta a Junta de Freguesia, por sua vez o órgão executivo da freguesia, que é escolhido de entre os eleitos para a Assembleia de Freguesia.
Neste caso em concreto, teremos em conta apenas os resultados para a Câmara Municipal, dos quais deriva a eleição, de forma indirecta mas automática, do respectivo presidente, o cabeça-de-lista da lista mais votada. No caso das coligações, vamos considerar apenas a força partidária que liderou essa junção de partidos; quanto aos movimentos de cidadãos, serão equiparados, neste contexto, a um partido político.
Recuemos até 1976. Nessa primeira eleição (12 de Dezembro) para o poder local após o 25 de Abril de 1974, o Partido Social Democrata (PSD) venceu as 10 Câmaras Municipais da Madeira e o Partido Socialista (PS) saiu vencedor na Câmara Municipal do Porto Santo.
Três anos depois, a 16 de Dezembro de 1979, houve nova eleição autárquica. Nessa ocasião, o PSD faz o pleno das 11 Câmaras Municipais. Idêntico resultado foi alcançado nas Autárquicas de 1982 e de 1985.
Após o primeiro mandato de quatro anos, a hegemonia social-democrata saiu fracturada. No acto eleitoral de 1989, a Câmara Municipal de Machico passou a ser liderada pela UDP - União Democrática Popular, tendo o recentemente falecido José Martins Júnior como presidente. Também a Câmara Municipal do Porto Santo saiu da esfera do PSD, passando para o PS, com José Jorge Mendonça a assumir a presidência.
Quatro anos volvidos, em 1993, o PSD mantém as nove câmaras que já tinha. O PS passa a liderar também a Câmara de Machico, a par da do Porto Santo, com a particularidade de ambas manterem o presidente. Quer isto dizer que, neste acto eleitoral, o padre Martins Júnior candidatou-se pelas listas dos socialistas, saindo vencedor.
Em 1997, Machico afirma-se como bastião socialista, com Bernardo Martins a suceder ao irmão na liderança daquela Câmara. As restantes autarquias regionais foram governadas pelo PSD, que, em 2001, na entrada do século XXI, volta a conquistar todas as 11 Câmaras Municipais, fazendo o pleno. Idêntico resultado foi alcançado nas Eleições Autárquicas de 2005 e de 2009.
O ano de 2013 ficará, certamente, nos anais da história política da Madeira e do Porto Santo, mais não seja por ter sido um ano em que o poder autárquico, ao nível das Câmaras Municipais, conheceu uma reviravolta partidária no que toca a lideranças. O PSD perdeu a unanimidade que vinha afirmando nos mandatos anteriores, tendo ganho apenas cinco das 11 câmaras, nomeadamente a da Calheta, a de Câmara de Lobos, a da Ponta do Sol e a da Ribeira Brava.
A coligação ‘Mudança’, liderada pelo PS, venceu a Câmara Municipal do Funchal, com Paulo Cafôfo como presidente; em Machico, o PS venceu com Ricardo Franco como cabeça-de-lista; o mesmo aconteceu no Porto Moniz, sob a ‘batuta’ de Emanuel Câmara; e no Porto Santo, com Filipe Oliveira. Em Santana, Teófilo Cunha, pelo CDS/PP, saiu vencedor. Em Santa Cruz e em São Vicente, as autarquias passaram a ser lideradas por um movimento de cidadãos, nomeadamente o Juntos Pelo Povo (JPP), com Filipe Sousa na liderança e que viria a tornar-se um partido político, e o Unidos por São Vicente (UPSV), comandado por José António Garcês.
Mas a maior diversidade a este nível viria a ser conhecida em 2017, quando o PSD conseguiu apenas três autarquias: Calheta, Câmara de Lobos e Porto Santo. Perdeu a Ponta do Sol para o PS, com Célia Pessegueiro a ficar com o ónus de ser a primeira mulher presidente de câmara na Madeira; no caso da Ribeira Brava, foi reeleito Ricardo Nascimento, mas já como movimento independente, ‘Ribeira Brava em Primeiro’ (RB1). Em Machico manteve-se Ricardo Franco (PS); no Funchal continuou Paulo Cafôfo (coligação ‘Confiança’, liderada pelo PS); no Porto Moniz afirmou-se Emanuel Câmara (PS); em Santa Cruz ficou Filipe Sousa (JPP); Teófilo Cunha em Santana (CDS); e José António Garcês (UPSV) revalidou a sua presidência em São Vicente.
No último acto eleitoral, em 2021, desenhou-se um novo mapa partidário nas Câmaras Municipais da Região. O PSD, coligado ou não com o CDS, e apoiando movimentos independentes, como o RB1, voltou a dominar.
No Funchal, Pedro Calado (PSD/CDS) recuperou a liderança para os sociais-democratas; Calheta e Câmara de Lobos mantiveram-se como bastiões laranjas, sendo as únicas autarquias da Região que sempre foram lideradas pelo PSD desde 1976; em São Vicente e no Porto Santo, a coligação PSD/CDS saiu também vencedora. Na Ribeira Brava, Ricardo Nascimento foi reeleito pelo RB1, mas com o apoio do PSD.
Em Machico, na Ponta do Sol e no Porto Moniz, o PS revalidou a liderança; o mesmo acontecendo com o JPP em Santa Cruz; e com o CDS em Santana, desta vez com Márcio Dinarte Fernandes à frente.
Feitas as ‘contas’, podemos aferir que Calheta e Câmara de Lobos sempre foram lideradas pelo PSD; o Funchal teve, até ao momento, dois mandatos com liderança PS, através de coligação; Machico já foi governando pelo PSD, pelo PS e peala UDP; a Ponta do Sol já conheceu dois mandatos socialistas, o segundo dos quais em curso, todos os restantes foram PSD; o Porto Moniz vai no terceiro mandato pelo PS, os demais foram PSD; Ribeira Brava teve dois mandados com liderança de um movimento de cidadãos, o BR1, e todos os outros foram do PSD; Santa Cruz vai no terceiro mandato pelo JPP (como movimento ou como partido); Santana vai no terceiro mandado CDS, sendo os demais da responsabilidade do PSD; São Vicente teve um interregno da hegemonia PSD com dois mandatos pelo UPSV; já o Porto Santo só conheceu duas cores partidárias na sua liderança, ora PS, ora PSD.
Conclui-se, portando, ser verdade que o concelho de Machico foi o único da Região que teve três forças partidárias distintas na liderança dos seus destinos desde 1976 até ao presente. Todos os demais tiveram apenas duas, de acordo com os critérios apontados à partida.