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Madeira

Suicídios na Madeira abaixo da média do país

"É muito importante que estejamos todos atentos", defendeu representante da estratégia nacional, insistindo na importância do reforço da saúde mental

Este ano a Sociedade Portuguesa de Suicidologia assinalou a data na Madeira.  
Este ano a Sociedade Portuguesa de Suicidologia assinalou a data na Madeira.  

A Madeira tem uma taxa de suicídio mais reduzida do que a média do país, em Portugal morrem por dia três pessoas por iniciativa própria, o problema é mais grave nas pessoas mais velhas e no interior, particularmente do Alentejo, revelou Paulo Barbosa. Os números são uma estimativa, o membro do Grupo da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio diz que os números oficiais ficam um pouco aquém da realidade, uma vez que há casos em que não é possível estabelecer a “natureza intencional do acto” de pôr fim à vida. “É um número dramático, é um número que exige respeito pelas pessoas que faleceram, exige responsabilidade de todos para resolver este problema”. Esta manhã o Serviço Regional de Saúde da Região assinalou o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio no Hospital Dr. Nélio Mendonça com um evento dedicado à sensibilização e à formação para a problemática, realizado em parceria com a Sociedade Portuguesa de Suicidologia (SPS).

Este ano o lema é ‘Mudar a narrativa sobre suicídio’. Paulo Barbosa pediu um trabalho conjunto, não apenas da área da saúde, que tem estado na liderança das estratégias, mas de toda a sociedade civil, das escolas aos locais de trabalho, passando pelos decisores sobre a arquitectura da cidade, no sentido de criarem espaços onde as pessoas se possam juntar. Defendeu que a autonomia pode ser uma mais-valia na estratégia contra o suicídio, no sentido de “estabelecer estratégias muito mais dirigidas às exigências insulares” e a articulação com as estratégias acções nacionais, como a linha de prevenção do suicídio a partir de hoje disponibilizada (1411), que exige articulação para que uma pessoa que ligue na Madeira ou Porto Santo possa também ser encaminhada cá para o apoio necessário. Mostrou disponibilidade do Grupo para esse trabalho conjunto, lembrando que a Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio está a ser desenvolvida, o documento deverá ser apresentado em breve e que também terá interesse para aplicação na Madeira. “A prevenção do suicídio não conhece barreiras, nem de oceanos, nem barreiras criadas pelos homens, pelas fronteiras que nós impomos”.

Em relação ao panorama, o convidado, que é também membro da direcção da (SPS), sublinhou que a Madeira tem “taxas relativamente mais baixas e com dinâmicas um bocadinho diferentes do continente”. Em 2023, a taxa na Madeira por 100.000 habitantes foi de 6,3% e no país é de 9,8%.

“Tem-se notado em Portugal uma estabilização da taxa”, revelou. No entanto, os números são muito pequenos, não é possível estabelecer um padrão em poucos anos, frisou, sendo certa a tendência mundial de redução do número de casos em países desenvolvidos, acrescentou.

Paulo Barbosa viu com bons olhos a presença da secretária regional de Saúde e Protecção Cilvil na iniciativa, mostrou a disponibilidade da SPS e do Grupo para ajudar, colaborar e desenvolver estratégias.

Em geral, são sinais de alerta para possível acto suicida os sintomas muito associados à depressão. “Uma pessoa que está com um discurso mais pessimista, que se sente mais em baixo, que deixou de se arranjar tanto, que não tem vontade de fazer as coisas habituais, que não lhe apetece sair com os amigos, com a família, está menos empenhada na participação social com outras pessoas, são pessoas que merecem que alguém lhes pergunte ‘Está tudo bem?’ E às vezes basta isso, diz, para ajudar”, sublinhou.

O especialista admite que é difícil dizer o que é que funciona, o que é que funciona individualmente e quais as melhores estratégias para prevenir que a doença leve a pôr fim à vida. O que garante é que as situações de suicídio relacionam-se com situações de exclusão, pobreza e de falta de acesso a serviços de saúde mental.

“O suicídio é um problema que afecta principalmente as pessoas com doença mental”, frisa, dando conta que mais de 90% das que se suicidaram padeciam deste mal. Por isso, uma das formas de combater passa por promover bons serviços de saúde, em particular de saúde mental. O representante da Estratégia Nacional frisa por exemplo a importância das equipas comunitárias de saúde mental e de intervenções de extravasam a área da saúde, intersectoriais que deem condições de vida às pessoas e promovam o bem-estar.

O Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira realizou em 2024 62.520 consultas de psicologia, tem ao seu serviço 74 psicólogos, oito psiquiatras, três pedopsiquiatras, 123 enfermeiros especializados em saúde mental e sete equipas de saúde mental comunitárias que operam no Funchal, Câmara de Lobos, Santa Cruz (duas em cada concelho) e no Porto Santo.

Paulo Barbosa diz que é muito difícil estabelecer uma relação causal entre uma morte suicida e uma única causa, o suicídio é um problema multifactorial. Além da doença mental, acrescentou que pesam as vulnerabilidades da pessoa, as situações que lhe acontecem de stress, o acesso a meios letais. “Por isso o sistema deve estar focado no tratamento da doença, na maior acessibilidade das pessoas aos serviços de saúde e também na criação de condições de segurança para que as pessoas em crise consigam chegar atempadamente ao serviço sem estarem em risco de passar ao acto”.

Quanto às crianças e jovens, Paulo Barbosa desmistifica. Apesar de ser um problema grave, “o suicídio é um problema das pessoas mais velhas e particularmente dos homens”, afirma. “Nós estamos a falar, em número absoluto, de um número reduzido de pessoas”. Só que como há poucas mortes por outras causas, as taxas por suicídio tendem a ser mais elevadas. “No entanto não é por serem poucas pessoas que não devemos actuar. Nos temos que unir a intervenção das escolas, das famílias, do próprio sistema de saúde e fortalece-lo para que estas pessoas sejam acompanhadas. É muito importante que estejamos todos atentos”.

Paulo barbosa explica que uma das características dos jovens que aumenta o seu risco é a maior impulsividade. “Na existência de pensamentos de suicídio podem provocar um maior risco por haver uma maior probabilidade ou maior possibilidade de passagem a um acto, a um comportamento suicidário. Portanto a intervenção precoce junto das crianças e jovens pode fazer com que nós consigamos detectar a doença, aumentar o bem-estar”.

A presidente da SPS, Inês Areal Rothes, não esteve presente, a iniciativa na Madeira coincidiu com o lançamento hoje da linha nacional de apoio, mas deixou uma mensagem gravada: “O suicídio é um problema de saúde pública grave que exige atenção, competência e humanidade”, defendeu, através de “respostas integradas e multissectoriais”.

Micaela Freitas afirmou que o suicídio é “um dos maiores desafios da saúde pública do nosso tempo”, um problema humano, social e de saúde que exige coragem, empatia e acção coordenada”. A prevenção do suicídio assume especial relevância na Madeira, assumiu, dando nota dos “passos firmes” dados nos últimos anos. Falou das consultas de psicologia, das equipas especializadas e de programas, como o ‘+ Contigo’, com as Irmãs Hospitaleiras, que, frisou, “reforçam a saúde mental junto das escolas e da comunidade”.

A Secretária quer que seja quebrado o estigma, que a doença mental seja abordada com a naturalidade que são abordadas outras patologias e lembrou a responsabilidade de prevenção do suicídio, que é colectiva. “Precisamos que cada escola, cada centro de saúde, cada local de trabalho seja também um espaço de acolhimento e de identificação precoce de sinais de sofrimento”.

Para mudar o panorama actual é preciso falar sobre o problema, defende Filipa Gomes, uma das psicólogas responsáveis pelo estudo realizado com doentes da Consulta de Psicologia de Prevenção do Suicídio do SESARAM, que concluiu, entre outras coisas, que 65% dos doentes que procuram esta ajuda são mulheres, que a maior parte tem entre os 40 e 50 anos (42%), embora a faixa dos 30 a 40 também tenha grande prevalência (34%). A ingestão medicamentosa o método mais usado (44%) por quem de entre eles tentou o suicídio, concluiu o mesmo trabalho. São sobretudo pessoas solteiras, residentes no Funchal, empregados e com ensino secundário os doentes destas consultas. 60% tinha ideação suicida e 40% já tinha tentado pôr fim à vida. Em 93% dos pacientes da consulta não havia histórico familiar de suicídio.

“É muito importante falar sobre os comportamentos suicidários”, afirmou a psicóloga do Serviço de Psiquiatria do SESARAM. Falar sobre o tema é importante, explica, para quebrar o estigma e o silêncio, para não haver tabus e para acabar com a vergonha e o medo. “O silêncio dificulta muitas vezes que as pessoas que estão em sofrimento psicológico procurem ajuda. Ao falar abertamente e com responsabilidade, reduzimos preconceitos, abrimos espaços para a escuta e pata o apoio”, defendeu a psicóloga. “Perguntar sobre o suicídio não incentiva tentativas de suicídio, pelo contrário: pode aliviar e permitir acesso aos cuidados”.

O estudo e a caracterização torna mais fácil o caminho de chegar até estas pessoas, acredita a especialista, que vê aqui uma ferramenta para prevenir com mais incidência o suicídio. Existe uma procura crescente na consulta de prevenção, que não significa necessariamente mais casos, mas sim mais conhecimentos. “Muitas vezes não tem só a ver com as pessoas estarem em maior sofrimento psicológico, mas pelo facto de ter havido uma reestruturação das equipas comunitárias (…) e acaba essa equipa por estar mais próxima da população, dessa equipa estar de forma integrada e conseguir chegar mais perto e conseguir prevenir muitas vezes estes comportamentos, como por exemplo as tentativas de suicídio”.

O estudo foi uma análise preliminar. É um primeiro passo para caracterizar as especificidades desta população.

As perturbações no humor, nomeadamente a depressão é um factor de risco mais robusto para estes comportamentos, alerta.

Filipa Gomes não acredita que as pessoas estejam no geral mais deprimidas. “O que acontece é que estão mais alerta para pedirem ajuda. Tem a ver um bocadinho com este aumento da literacia em saúde mental”, defendeu.