E se ficar tudo na mesma?
Jornalista Nicolau Fernandez mede a temperatura política ao décimo dia de campanha
Há uma tentativa de bipolarização a três (passe a contradição) com o PSD de um lado e o JPP/PS do outro. Tudo isto faz lembrar o ilusionista que, com três copos, coloca uma pequena bola num deles, baralha e dá a escolher. De que lado está a bola? Normalmente o iludido não acerta. Na última semana, reta final da campanha eleitoral, assistimos a uma dramatização no discurso: o PSD aposta na estabilidade, o PS alerta para a dispersão de votos e o JPP garante que está em condições e preparado para substituir o PSD. Mas esta estratégia cola com a realidade?
Há de facto eleitores do PS que se viram para o JPP, outros que se distanciam deste movimento transformado em partido, gente do PSD que fala em abstenção, branco, nulo ou num dos outros, incluindo os pequeninos. E o vice-versa também existe. Significa isto uma dinâmica de viragem política? Penso que não. Este processo de itinerância de votos de um lado para o outro não significa uma mudança estrutural, pois, o essencial não se alterou.
As diferentes campanhas não conseguiram ser suficientemente atrativas e mobilizadoras. Por várias razões que deveriam merecer uma reflexão aprofundada. Fruto também da desatualização da lei eleitoral, a abstenção deve sair vencedora. Os eleitores não sentem o apelo à participação, reina o descontentamento e, pior, nalguns casos cresce a descrença. Houve eleições em que, de facto, se sentia uma possibilidade de viragem, por exemplo, umas autárquicas e umas regionais. Agora não se sente esse espírito.
Longe parece estar uma vaga de fundo a exigir uma mudança. O ímpeto transformador implica um longo, profundo e aturado trabalho que não se consuma apenas em vésperas eleitorais. A exigência de umas próximas regionais começa já a 24 deste mês. Sem complacências. Com ousadia. Com muita discussão. Participada. É uma corrida de fundo. Exige preparação e muito treino. Caso contrário corre-se o risco de, como a lesma, tudo ficar na mesma.
Assistimos a uma fulanização desta campanha, dando conta que o problema parece ser Miguel Albuquerque. Como se, com uma mera mudança de cadeiras, tudo se resolvesse. Há vários partidos que não excluem uma aliança com o PSD, portanto, com as mesmas políticas, mas com outro candidato. Chega, IL, PAN são disso exemplos. O CDS até com este vai.
Ou seja, há um substrato idêntico, comum. Entre uma fotocópia e o original, venha o diabo e escolha… Fica no ar uma certa indefinição. Afinal, o que os distingue? Uma figura (triste)? JPP e PS parecem fluxo e refluxo da mesma onda… E à esquerda? Ainda haverá esquerda?
Ora, sem mudar a natureza das políticas não há uma mudança estrutural, não há uma alternativa.Tudo o resto é poucochinho. Operar uma mudança de fundo foi, assim, uma oportunidade perdida.
De um modo geral, o papel da comunicação social exigia talvez uma outra postura. Fruto do muito trabalho, do multiplicar de tarefas, do esvaziamento das redações deixou de ser possível acompanhar as candidaturas no terreno. Torna-se difícil tirar o pulso à realidade. Parte da cobertura é feita através de comunicados, sem o poder da pergunta, sem um olhar crítico, por vezes, sem o contraditório, sem o confronto com a exequibilidade e razoabilidade das propostas, sem o devido aprofundamento. Os debates estão em desuso, o que foi feito soube a pouco. O desempenho do que já foi tido como o quarto poder devia ser mais incisivo, corrosivo até. Na pergunta devia ir o mais longe possível. Devia ser muito mais do que a escolha entre A ou B. Assim, qualquer um pode dizer qualquer coisa, ninguém vai perguntar porquê.
A campanha devia estar sujeita a um crivo mais apertado também nos temas em debate. E muito faltou debater. Nos 50 anos, pouco ou nada se falou da Autonomia: reivindicativa, dialética, até onde se pode ir?
Lei de Finanças Regionais, Estatuto Político Administrativo, Universidade da Madeira, modelo de desenvolvimento, definição de política de pescas, mar, zona económica exclusiva, litoral, ordenamento do território, medidas concretas de combate à corrupção, competências regionais de uma comissão para a transparência, por exemplo, são algumas das questões que poderiam ter aprofundado. Por fim, faltou trazer a questão do combate à pobreza e exclusão social para a ordem de todos os dias, especialmente numa região cujos índices - estamos no rabo da lancha - nos deixam a todos mal no retrato.
Os protagonistas são os mesmos nas diferentes forças em parada. Vira o disco e toca o mesmo. No PSD luta-se pela continuidade, pela sobrevivência. Há muita coisa, muitos interesses, muitas dependências em jogo, numa sociedade amarrada, com gente que, como diz o povo, ‘’tem o rabo preso’’.
Multiplique-se por quatro cada ‘’dependente’’ e só aí teremos uma maioria atenta. Vivemos num sistema com poderes instalados e que não são escrutinados, mas que têm ‘’uma palavrinha’’ a dizer em muita coisa, em muitos negócios, tudo em nome da estabilidade, claro, em muitas opções, como por exemplo, na escolha de secretários. Sérgio Marques e Eduardo Jesus que o digam. Poderes esses que se movem na sombra. Com poder de decisão. Continua o jogo da ilusão com os 3 copos e a bola. Normalmente o iludido não acerta.