São os equipamentos referidos pela secretária da Saúde dos “mais sofisticados e inovadores do Mundo”?
A secretária regional de Saúde e Proteção Civil visitou a Clínica de Radioncologia da Madeira, onde estão a ser instalados novos equipamentos associados ao tratamento de doentes oncológicos. A governante informou que a clínica está a receber uma “Tomografia Computorizada de 63 cortes” e um novo acelerador linear, e que estes aparelhos permitirão melhorias no diagnóstico e na prestação de cuidados. No decorrer da mesma visita, a governante declarou que estes equipamentos “são os mais sofisticados e inovadores que existem no mundo”, destacando a relevância do investimento para os doentes da Região.
Estarão mesmo os equipamentos referidos por Micaela Freitas, entre “os mais sofisticados e inovadores” do Mundo?
A verificação vai centrar-se na TAC (TC – Tomografia Computorizada), por ser aquela de que a governante deu uma característica técnica essencial à pesquisa. A nossa averiguação implica duas análises distintas: a precisão técnica da descrição do equipamento e a validade da classificação atribuída.
Começando pelo primeiro ponto, o que se verifica é que TAC de 63 cortes não constitui uma configuração comercial padrão, sendo quase certamente (mas não totalmente e não relevante para a análise) um lapso de comunicação referente a um equipamento de 64 cortes, que é o valor padronizado e amplamente usado. Embora a indústria utilize maioritariamente configurações como 16, 32, 40, 64, 128, 256 e 320 cortes, existem referências técnicas e classificações de mercado que incluem equipamentos ou categorias até 63 ‘slices’. Assim, o mais provável é que se trate de uma TAC de 64 cortes, a configuração mais comum na gama média de tomógrafos clínicos.
O segundo ponto exige comparar este tipo de tomógrafo com a tecnologia de topo realmente disponível a nível mundial. Uma TAC de 64 cortes é um equipamento funcional, adequado e moderno, capaz de realizar a maioria dos exames necessários para planeamento de radioterapia. No entanto, não pertence ao escalão mais elevado da tecnologia actual.
Os sistemas considerados de ponta incluem tomógrafos de 128 cortes, de uso frequente em cardiologia avançada, mas também em oncologia, e equipamentos de 256 ou 320 cortes, que permitem imagens de órgãos inteiros numa única rotação, maior resolução e menor dose de radiação.
Acima destes, encontram-se ainda as tecnologias emergentes, como os sistemas photon-counting, que representam a nova geração da imagiologia médica: contam fotões individualmente, melhoram drasticamente a resolução, reduzem ruído e permitem diferenciar tecidos com precisão química.
Estes sistemas são utilizados em centros de referência internacionais e custam frequentemente entre 2,5 e 4 milhões de euros, valores muito superiores aos de uma TAC de 64 cortes, que se situa, mesmo quando nova, na ordem dos 450 a 650 mil euros.
Estes equipamentos estão em uso em vários contextos clínicos, mas ainda não são usados de forma generalizada para planeamento de radioterapia, encontrando-se sobretudo numa fase de adopção inicial e concentrados em centros pioneiros.
Para além disso, importa contextualizar que vários centros de oncologia em Portugal já utilizam TAC de 128 cortes ou superiores no planeamento de radioterapia, precisamente devido às vantagens clínicas: melhor definição de estruturas anatómicas finas, menor sensibilidade a artefactos e maior precisão na fusão com RM (Ressonância Magnética) ou PET (Medicina Nuclear Convencional).
A tendência internacional aponta para a adopção crescente de equipamentos de gama alta, sobretudo em tratamentos complexos como SBRT (radioterapia estereotáxica corporal), tumores pulmonares móveis ou lesões em áreas de difícil visualização. Assim, mesmo no panorama nacional, uma TAC de 64 cortes constitui tecnologia competente, mas claramente não se situa na vanguarda.
Também no que respeita ao acelerador linear, embora o equipamento recentemente anunciado possa ser moderno e constituir um avanço para a prática regional, a afirmação de que permite “todas as técnicas existentes” não implica que seja o mais sofisticado do mundo.
Existem aceleradores de topo – como os sistemas guiados por ressonância magnética (MRI-linac) ou plataformas de inteligência artificial para adaptação em tempo real – que representam níveis tecnológicos superiores aos modelos convencionais actualmente instalados na maioria das clínicas.
Estes sistemas permitem radioterapia adaptativa diária, monitorização contínua do tumor em movimento e personalização precisa da dose, e são utilizados em centros como o MD Anderson (EUA) ou o Royal Marsden (Reino Unido), estando muito acima da capacidade dos aceleradores disponíveis no mercado português.
Assim, uma afirmação generalista sobre liderança mundial da tecnologia impede que a declaração seja considerada verdadeira. Os equipamentos instalados podem corresponder a uma renovação relevante e trazer benefícios claros aos doentes oncológicos da Madeira, mas não se aproximam do patamar que justificaria classificá-los como “os mais sofisticados e inovadores que existem no mundo”.
Pelas razões referidas, avaliamos a afirmação de Micaela Freitas como falsa.