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Livro Branco de IA sobre media é hoje apresentado publicamente

Foto Shutterstock
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O Livro Branco sobre Inteligência Artificial no Jornalismo, coordenado pela Universidade Nova, é hoje apresentado publicamente na Fundação da Calouste Gulbenkian e pretende servir de base para as políticas públicas e estratégias editoriais para adoção da tecnologia.

O estudo foi coordenado pela Universidade Nova de Lisboa e contou com a colaboração da Universidade do Minho, da Universidade Católica Portuguesa, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, da Universidade Europeia, da Universidade da Beira Interior, da Universidade de Coimbra, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O Livro Branco sobre Inteligência Artificial no Jornalismo, que será apresentado publicamente às 15:00, é financiado pelo European Media and Information Fund, sob gestão da Fundação Calouste Gulbenkian, e coordenado pela NOVA FCSH.

O documento pretende servir de base para a definição de políticas públicas e estratégias editoriais que garantam que a integração da IA nas redações decorre de forma ética, transparente e orientada para o interesse público.

Este é o primeiro estudo de âmbito nacional dedicado a avaliar a adoção de Inteligência Artificial nos media portugueses.

O Plano de Ação para a Comunicação Social (PACS), anunciado há mais de um ano, incluía nas suas medidas o Livro Branco sobre Inteligência Artificial aplicada ao jornalismo.

Recomenda reforço do Serviço Público de Media na literacia e criação de Observatório

O Livro Branco sobre a Inteligência Artificial no Jornalismo faz 10 recomendações estratégicas, entre as quais o reforço do Serviço Público dos Media na literacia mediática e a criação de um Observatório Nacional sobre IA e os media.

Entre as recomendações consta o "reforçar o papel do Serviço Público de Media na literacia mediática e no combate à desinformação", desenvolvendo conteúdos regulares, multiplataforma e de acesso livre, incluindo formatos adaptados ao público infanto-juvenil, lê-se no documento.

O Livro Branco recomenda ainda a criação de um Observatório Nacional sobre IA e jornalismo, "com a missão de produzir conhecimento, monitorizar a aplicação de IA no ecossistema informativo nacional, mapear riscos e oportunidades, apoiar processos de decisão e promover a literacia algorítmica da sociedade civil".

Refere ainda a necessidade de estabelecer um quadro nacional de recomendações para o uso de IA no setor, coordenado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e o estabelecimento de diretrizes editoriais e operacionais para a utilização de IA generativa no jornalismo "através do desenvolvimento e implementação de um Manual de Políticas de Boas Práticas de IA aplicável a todas as áreas das empresas de media".

Recomenda também a implementação de "normas obrigatórias de sinalização pública de conteúdos generativos, assegurando que operadores de media adotam procedimentos técnicos e editoriais de identificação visível, verificável e consistente" e a revisão do Código do Direito de Autor e dos Diretos Conexos, "incorporando os desafios colocados pela IA e alinhando o regime jurídico nacional com as orientações europeias e internacionais".

Entre as 10 recomendações constam ainda a criação de um programa de apoio à inovação em IA aplicada ao jornalismo, "articulando diferentes tipos de entidades parceiras e assegurando a disponibilidade de laboratórios de experimentação e capacitação distribuídos regionalmente", bem como "criar convocatória pela FCT (futura AI) para financiamento a projetos de investigação exploratórios em IA aplicada ao jornalismo português, com base em dados e necessidades do contexto nacional".

Criar um programa nacional de formação de competências ('upskilling' e 'reskilling') em inovação interdisciplinar para os media "desenvolvido em colaboração entre Cenjor, universidades, institutos politécnicos e empresas de media" e integrar competências em inteligência artificial nos cursos de jornalismo "através de um referencial nacional co-construído, que incorpore de forma transversal conteúdos sobre IA e tecnologias emergentes, acompanhados de formação certificada para docentes, promovendo uma abordagem interdisciplinar" são outras duas recomendações.

O Livro Branco e os dois estudos que o sustentam -- Relatório de Diagnóstico e Análise Temática e Relatório de Contributos Participativos -- resultam de uma colaboração interinstitucional que reuniu instituições académicas nacionais (Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Minho, Universidade Católica Portuguesa, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Universidade Europeia, Universidade da Beira Interior, Universidade de Coimbra) e duas universidades brasileiras (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).

Barreiras ao uso da IA nos media são organizacionais e relacionadas com capacitação

As barreiras à adoção da inteligência artificial pelos media em Portugal são essencialmente organizacionais e relacionadas com a capacitação sobre o uso da tecnologia, de acordo com o Livro Branco sobre a IA no Jornalismo.

As barreiras identificadas "são sobretudo organizacionais e relacionadas com capacitação, com 67,5% dos/as profissionais a reportarem ausência de formação e mais de 80% a indicarem não possuir formação especializada em IA, apesar da procura latente", lê-se no documento.

"Estas fragilidades são especialmente visíveis nos meios locais e regionais", acrescenta o Livro Branco, que faz 10 recomendações.

O documento aponta que, "paralelamente, proliferam usos casuísticos e 'invisíveis' de IA, frequentemente sem protocolos que assegurem a necessária monitorização humana (human-in-the-loop)".

Refere-se ainda que, em vários contextos, o denominado "paradoxo da eficiência" torna-se latente, "onde os ganhos de rapidez e automatização não são acompanhados por métricas claras ou reinvestimento editorial que permitam consolidar melhorias efetivas".

"Identificam-se ainda necessidades setoriais específicas de capacitação, por exemplo, na televisão, a prioridade recai sobre competências forenses para a análise de artefactos de vídeo e voz; na rádio, sobre mecanismos de deteção de clonagem de voz; e, na imprensa e no online, sobre práticas de verificação multimodal e rotulagem consistente de conteúdos assistidos ou gerados por IA", acrescenta o Livro Branco.

No que respeita à independência editorial e plataformas tecnológicas, o Livro Branco refere que a "plataformização do ecossistema noticioso configura um regime de intermediação algorítmica que desloca funções críticas de distribuição e monetização para infraestruturas externas, reconfigurando poderes editoriais e condicionando a autonomia jornalística".

Em Portugal, "a dependência de soluções comerciais é particularmente elevada, sendo que neste cenário apenas 6,8% dos/as profissionais referem ter controlo direto sobre algoritmos ou modelos de IA e só 26,4% reconhecem possuir capacidade técnica para avaliar criticamente estas soluções".

As assimetrias são maiores nos media locais e regionais, "com menor probabilidade de desenvolvimento de experiências-piloto internas e de estabelecimento de parcerias", prossegue, adiantando que surgem "estratégias defensivas para preservar identidade editorial, incluindo não subordinar a agenda a métricas definidas pelas plataformas e autonomizar arquivos próprios".

Quanto aos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), o Livro Branco salienta tensões em quatro pontos: autoria e originalidade; treino de modelos com conteúdos protegidos; fronteiras entre obra e prestação (voz/imagem); e exigências de transparência e proveniência.

Em Portugal, pouco mais de metade (52,2%) dos jornalistas "indicam que não existe autorização para uso de conteúdos jornalísticos no treino de modelos e 19% não sabem ou não respondem, coexistindo com apenas 6,8% que declaram propriedade ou controlo direto sobre algoritmos ou modelos de IA utilizados nas suas operações jornalísticas".

Os profissionais de rádio e de televisão "salientam riscos nos Direitos Conexos de voz e imagem (clonagem, recriação), defendendo cláusulas contratuais específicas e rotulagem consistente" e registam-se opções de "não ceder dados para treino, a par de apelos a programas próprios e cooperação intermedia".

Sobre regulação e políticas públicas, "predomina prudência face a riscos editoriais, acompanhada de expectativa de orientação institucional" e "valorizam-se recomendações de transparência, explicabilidade e cartas de princípios, mas reconhece-se que, sem capacidade interna mínima --- governação, literacia aplicada e processos de validação ---, a regulação é percebida como uma exigência difícil de cumprir".

A mediação algorítmica na distribuição "é entendida como fator que aumenta a incerteza e desloca custos de conformidade para as redações, reforçando a necessidade de políticas acompanhadas de instrumentos operacionais que permitam traduzir princípios em rotinas verificáveis", refere o Livro Branco.