Como brincam hoje as crianças…
O tema esteve em debate na 6.ª conferência “Estrelas e Ouriços” que juntou médicos, associações e especialistas em Coimbra. Mais de metade das crianças passa menos de uma hora por dia a brincar com a família. Uma hora — sessenta minutos — que parecem cada vez mais difíceis de encontrar num quotidiano dominado por agendas cheias, dispositivos digitais e ritmos acelerados.
O silêncio que se instala nas casas modernas contrasta com o som vibrante do riso infantil que antes enchia as tardes. Entre o trânsito, os prazos, os emails e o jantar apressado, os adultos vivem presos ao relógio e ao trabalho, enquanto a infância acontece, quase despercebida, diante dos seus olhos.
Mas o problema, ao que tudo indica, não é a falta de tempo — é a falta de disponibilidade. Estamos fisicamente presentes, mas mentalmente ausentes. O telemóvel vibra, a televisão fala sozinha e o pensamento já está no dia seguinte. No entanto, a infância não espera. Cada dia sem brincadeira é um dia que não volta.
Especialistas em desenvolvimento infantil têm sido claros: brincar é uma necessidade, não um luxo. É através do jogo que as crianças aprendem a confiar, a partilhar, a inventar e a compreender o mundo que as rodeia. O faz-de-conta é, na verdade, o primeiro laboratório emocional e social da vida.
Quando um pai constrói uma torre de legos, não está apenas a empilhar peças — está a criar memórias. Quando uma mãe finge ser princesa ou monstro, não está apenas a entreter — está a fortalecer laços invisíveis, mas duradouros. São nesses gestos simples que se constrói a segurança afetiva e emocional das crianças.
Num tempo em que se fala tanto de produtividade, talvez fosse sensato reavaliar o que realmente produz valor. A vida moderna ensinou-nos a correr, mas desaprendemos a parar. Desligar o ecrã, guardar o relógio e sentar-nos no chão pode ser, afinal, o maior investimento que um adulto pode fazer.
Brincar com os filhos não é perder tempo — é ganhar futuro. Que esta reflexão não se fique pelas palavras, mas inspire gestos concretos: um jogo de cartas, uma história antes de dormir, um passeio sem pressa. Porque, no fim, o que as crianças mais querem não são brinquedos novos. Querem tempo. Querem-nos a nós.
José Augusto de Sousa Martins