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Fact Check Madeira

Todas as greves têm serviços mínimos?

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A greve dos trabalhadores do Centro de Abate da Região Autónoma da Madeira – CARAM, que começou hoje e se prolonga por 22 dias, levou a que o Governo Regional decretasse serviços mínimos para o período de paralisação.

O Executivo de Miguel Albuquerque acedeu ao pedido do CARAM o que levou a que o sindicato apresentasse uma providência cautelar para evitar os serviços mínimos, por considerar que não estariam abrangidos pelo Código do Trabalho.

Esta manhã, primeiro dia de greve, oito trabalhadores da primeira linha da sala de abate apresentaram autodeclaração de baixa por doença, o que terá condicionado a operação.

Nas redes sociais surgiram diversos comentários a colocar em acusa as duas situações: a declaração de serviços mínimos e o direito dos trabalhadores a declararem baixa por doença.

A legalidade da decisão do Governo Regional obriga a uma consulta ao Código do Trabalho e a autodeclaração de baixa também está regulamentada.

A Lei N.º7/2009, de 12 de Fevereiro, o Código do Trabalho em vigor – legislação para a qual o Governo da República tem uma proposta de alteração em discussão – determina, no artigo 530.º e seguintes, as regras para a realização de greves. Entre elas está a realização de serviços mínimos e os sectores em que esta norma pode ser aplicada.

Os serviços mínimos são actividades consideradas indispensáveis para garantir as necessidades básicas da população, bem como a segurança de instalações e outros bens.

A Constituição da República exige o cumprimento de serviços mínimos e o Código do Trabalho diz quais os sectores (artigo 537.º):

- Correios e telecomunicações;

- Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;

- Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;

- Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;

- Abastecimento de águas;

- Bombeiros;

- Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;

- Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respectivas cargas e descargas;

- Transporte e segurança de valores monetários.

Estes são os sectores definidos no Código do Trabalho, mas a Constituição da República, no Artigo 57.º, tem uma visão mais ampla: “A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”.

É precisamente nestas “necessidades sociais impreteríveis” que se baseia a declaração de serviços mínimos no caso da greve do CARAM.

O despacho conjunto das Secretarias Regionais da Inclusão, Trabalho e Juventude, e Agricultura e Pescas refere que “o CARAM – Centro de Abate da Região Autónoma da Madeira é a única entidade na Região Autónoma da Madeira que assegura as atribuições de interesse público relativas ao abate de animais domésticos, das espécies bovino, suíno, ovino, caprino, equídeo e conídeo e respectivas actividades complementares e/ou acessórias, afigurando-se, assim, como imperativo legal a fixação de serviços mínimos”.

O governo teve também em consideração que “a pequena produção pecuária, com mão-de-obra maioritariamente familiar, tem grande expressão na Região e constitui o rendimento de muitas dessas famílias, sendo fundamental para o seu sustento, na medida em que é neste período que fica garantido o escoamento da carne produzida, após longos meses de trabalho dos produtores”.

O Governo entende ainda que a paralisação total do único centro de abate existente na Região, durante um período seguido de 22 dias, é “susceptível de potenciar o abate informal e clandestino de animais para consumo humano, comprometendo a saúde pública e a protecção animal, razões que assim justificaram a fixação de serviços mínimos no CARAM”.

Argumentos que parecem respeitar a legislação, embora tenha sido interposta uma providência cautelar.

O que não é certo é afirmar-se que podem ser decretados serviços mínimos em todas as greves, uma vez que muitos sectores não estão abrangidos pela especificidade da lei ou pela leitura mais ampla da Constituição. Para que sejam aceites os serviços mínimos tem de ser justificada a ‘necessidade impreterível’ para a população. Algo que nem sempre é aceite pelos tribunais ou entidades arbitrais, como já aconteceu, por exemplo, em greves de funcionários judiciais.

Assim, conclui-se que nem todas as greves têm serviços mínimos associados que dependem, sempre, da justificação da necessidade para a população.

Autodeclaração de doença

A autodeclaração de baixa por doença, apresentada por oito trabalhadores do CARAM, é um direito dos cidadãos que está devidamente regulamentado.

É um documento que comprova que o trabalhador declara, sob compromisso de honra, que está doente e, por isso, não pode trabalhar.

A autodeclaração justifica um máximo de três dias consecutivos de ausência ao trabalho e só pode ser pedida duas vezes em cada ano civil.

O pedido de autodeclaração de doença pode ser feito no porta do SNS24 ou na aplicação.

Todas as greves têm serviços mínimos obrigatórios.