Será a AMRAM sempre presidida pelo Funchal quando o PSD tem a maioria das Câmaras?
Nas últimas semanas, no contexto da recomposição política decorrente das autárquicas de 2025, tem sido repetida a ideia de que a presidência da Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira (AMRAM) ‘pertence naturalmente ao Funchal’ sempre que o PSD detém a maioria dos municípios. Essa narrativa assenta na noção, frequentemente reiterada, de que o concelho capital, quando alinhado com o PSD e, frequentemente, com o Governo Regional, assume automaticamente a condução daquela estrutura intermunicipal.
Mas será isso verdade? Será que, sempre que o PSD — sozinho ou coligado com o CDS — dispõe de maioria das câmaras, a AMRAM é presidida pela Câmara Municipal do Funchal? Ou trata-se de uma construção política que não resiste à análise histórica? Vejamos.
Para verificar a veracidade da afirmação, realizámos o levantamento cronológico completo das presidências da AMRAM desde a sua criação em 1985 até 2025, cruzando essa informação com a distribuição partidária das 11 câmaras municipais da Região ao longo do mesmo período.
Comecemos pelo período de 1985 a 2002. Aqui, de facto, verifica-se a narrativa que ainda hoje é evocada: o PSD era hegemónico em praticamente todos os municípios e a presidência da AMRAM foi sucessivamente atribuída a presidentes da Câmara do Funchal. Este ciclo, pela sua duração e estabilidade, terá ajudado a cristalizar a percepção de que ‘maioria PSD’ equivale a presidência da AMRAM pelo Funchal (quando este município é liderado pelos social-democratas).
O problema é que essa equivalência quebra-se por completo a partir de 2002.
Entre 2002 e 2013, durante três mandatos completos, o PSD manteve uma maioria absoluta de câmaras — muitas vezes até esmagadora. No entanto, a presidência da AMRAM foi entregue a Santa Cruz, Santana, Porto Santo e Calheta. Em nenhum desses onze anos o Funchal liderou a AMRAM, apesar de o PSD controlar confortavelmente o mapa autárquico.
Este é o primeiro bloco temporal que desmente categoricamente a afirmação em análise.
Entre 2013 e 2021, com a quebra da hegemonia do PSD, a presidência da AMRAM variou entre Funchal (PS), Santana (CDS) e Ribeira Brava (independentes/RB1). Neste período, o PSD não tinha maioria municipal e, portanto, o argumento ‘maioria dá presidência da AMRAM ao Funchal não se coloca, mas confirma-se que a presidência não segue qualquer automatismo rígido.
Chegados a 2021, encontramos um ponto relevante.
O PSD vence cinco câmaras e o CDS mantém Santana. Somando, os partidos que compõem a coligação governativa (PSD/CDS) passam a deter 6 de 11 câmaras, uma maioria política efectiva. Nesse contexto, a AMRAM regressa ao Funchal, presidida por Pedro Calado. É, portanto, um dos momentos em que a narrativa se aplica — mas só parcialmente, porque a maioria é de bloco, não apenas do PSD isolado.
Em Fevereiro de 2024, após a saída de Pedro Calado, a presidência da AMRAM passa para Carlos Teles, presidente da Calheta.
E aqui surge outro ponto que contraria directamente a afirmação analisada: mesmo com maioria PSD/CDS, a presidência não ficou no Funchal. A razão não foi eleitoral, mas sim uma consequência institucional da substituição — porém, os factos são os factos: houve maioria e a presidência não esteve no Funchal.
Por fim, em 2025, com a vitória do PSD/CDS em seis câmaras, a presidência regressa ao Funchal, agora com Jorge Carvalho. Esta coincidência reforça a perceção, mas não apaga os múltiplos períodos em que o padrão não se verificou.
A conclusão é clara: Se é verdade que, nalguns momentos, o PSD (ou o bloco PSD/CDS) conjugou maioria de câmaras com presidência da AMRAM pelo Funchal, também o é que houve períodos extensos — nomeadamente de 2002 a 2013 — em que isso não aconteceu.
Também em 2024, apesar da maioria, a presidência esteve na Calheta.
A afirmação é, por isso, falsa.
Não existe qualquer automatismo histórico que estabeleça que a presidência da AMRAM “fica sempre” com o presidente da Câmara do Funchal quando o PSD detém a maioria dos municípios. Houve anos em que isso ocorreu e anos em que ocorreu precisamente o contrário.