O mal necessário

Há quem diga que o advogado é o escudo do cidadão.

Mas, na prática, muitos transformaram o escudo em arma.

Seja oficioso ou particular, o título não muda o que vai dentro, e o que devia ser ética tornou-se vaidade.

O advogado oficioso é, em teoria, a ponte entre quem precisa e o sistema.

Na prática, é muitas vezes um muro.

Recebe o processo, olha de cima, fala rápido, decide por conta própria e esquece-se de quem devia representar.

Trata o beneficiário como um fardo, um número, um incómodo.

Esquece que quem pede apoio não é menos cidadão, é apenas alguém sem meios para pagar o preço de uma justiça que se diz igual para todos, mas que na verdade tem preço marcado.

Depois há os outros, os “particulares”, com gabinetes elegantes e frases medidas.

Mas quando o ego fala mais alto que a consciência, a diferença é só estética.

Porque o abuso não veste apenas fato barato, também se disfarça em discurso polido.

E é aí que a advocacia se perde: quando o poder de representar se transforma em prazer de dominar.

Ambos os que servem o Estado e os que servem carteiras, esquecem que o cliente é pessoa, não peça de processo.

Esquecem que um mandato é um ato de confiança, não de submissão.

Que o sigilo não é um favor, é uma obrigação. E que quem fala de honra na profissão devia começar por não humilhar quem representa.

Não há profissão mais nobre do que a que defende direitos.

Mas não há hipocrisia maior do que quem invoca a lei e viola a dignidade humana no mesmo gesto.

O mal necessário não é a advocacia.

É o carácter de quem a exerce sem alma, sem empatia e sem espelho.

Porque justiça sem humanidade é apenas teatro jurídico, e nesse palco, os oficiosos e os privados confundem-se.

Uns fingem que ajudam, outros fingem que sabem.

Poucos lembram que a justiça só existe quando há respeito de ambos os lados da mesa.

Ana Paula Sousa