São Vicente no Centro do País

A lama putrefacta não caiu do céu. Levantou-se do chão, cheia de raiva, prenhe de discriminações e de injustiças várias. A lama putrefacta agora segue o seu trilho; alastra-se e cola-se rapidamente por todo o território nacional.

Melhor, com a sua massa viscosa, impregna-se por entre os baldios abandonados da cidadania. Nos campos e nas cidades. Em todas as periferias. Alastra-se e cola-se, a lama putrefacta, porque incorpora na sua essência um julgamento moral: determinista, primário e circunstancial; resume-se a um modelo de pensamento, em termos de muros e de barricadas, numa lógica de todos uns contra os outros. Por isso, à distância, pululam os incautos numa reinação serôdia.

De repente, há quem pense que tudo se esvazia, que tudo se anula numa única profissão de fé. E que, num ápice, tudo se esboroa desde a civilização grega, ao direito romano, à ciência e à tecnologia europeias; até à dignidade humana, revigorada pelos papas Francisco e Leão XIV, no mundo para além dos confins da cristandade. Por isso, sufocado pelo catecismo dos novos apóstatas, parece que o ódio e a intolerância tomaram conta do nosso planeta, onde quer que estejam homens e mulheres, com vidas próprias e em distintas e diferentes sociedades.

Em Portugal, a dita pregação está por conta de uma tal omnipresente personalidade. Essa que admoesta a sua prole, transvertida de deus castigador, com um sorriso malévolo de bebé chorão nos lábios. Ao ouvi-la, rememora-se logo aquele ou aqueloutro ufano fascista de má memória. Assim, por mais que brade aos céus e que bata no peito com a sua alva mãozinha, trará sempre consigo o clamor da violência, do ódio, da intolerância e da guerra. E quem promove a violência, o ódio, a intolerância e a guerra é bandido. Bandido sem aspas, que, ainda por cima, goza da protecção das polícias, dos tribunais e do sistema mediático.

No fundo, propaga a redenção de um país que não existe. E a existir, só na sua cabeça, como se fosse dono de todos os sítios e de todos os lugares de Portugal. Menos aqui, em São Vicente. Hoje e sempre.

Pelo menos é o que me fazem crer os meus amigos socialistas e uns quantos sociais-democratas.

Aqueles que venceram as últimas eleições autárquicas com uma sigla emprestada. Os mesmos que celebraram vitoriosos, já noite alta, literalmente, o 25 ABRIL de todos nós, no dia 12 de Outubro, em frente à Câmara Municipal.

João Carlos Gouveia