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Crónicas

O que vier, que venha por bem

Acho que a idade nos traz a maturidade e a liberdade de reconhecermos o melhor ponto de partida para vivermos enraizados, centrados, alinhados, conectados com a nossa verdade e autenticidade, prontos a empregar a nossa energia em quem realmente somos chamados a ser

É a última crónica Essencial que escrevo aos 47 anos. Sábado (Aleluia!) celebro mais uma volta ao sol. E celebro-a com muita alegria! Celebro cada milagre da Vida! Todos os anos, por esta altura, mergulho nas profundezas de quem sou e de quem revelo ao mundo. Noto que à medida que avanço nos anos, o mergulho ganha profundidade.

É um exercício doloroso, que pede humildade radical, no qual procuro relembrar e ampliar a consciência da traição que exerço sobre mim por (por vezes ainda) me deixar enganar pela subtileza da necessidade da validação externa como critério para ser feliz. E é no segredo dos bastidores que sinto, nalguns dias, a violência do vazio, da inquietação e dos gritos silenciosos de quem tende a esquecer-se de si mesma. É o que pode acontecer quando crescemos a precisar de estar sempre entre os melhores, os mais bem comportados, os mais ‘certinhos’, os mais bem educados, os mais bem vistos… os mais ‘isto’, ou mais ‘aquilo’. Ou seja, a ter que caber em caixas previamente desenhadas para nós. Curiosamente, quando acedo a esta consciência, vem à superfície a certeza que o melhor que podemos oferecer ao mundo é afinal, muito mais simples e maior. É que o problema não é o que outros possam pensar ou dizer. O problema é se tomamos isso como verdade e o transformamos em crença. O problema é que o digamos sobre nós próprios e se torne voz do nosso diálogo interno. A pergunta não é se fulano, sicrano ou beltrano gosta ou não gosta de nós, gosta ou não do que fazemos. A pergunta é se nós gostamos de quem somos e de como o colocamos no mundo, nas nossas várias expressões e dimensões. E é assim que, em vez de mágoa e choradinho, assumimos responsabilidade pessoal. Largamos a ilusão de que deveríamos ser reconhecidos, de como deveríamos ser ou deixar de ser. Aprendemos a amar quem somos, a apreciar os nossos dons, a reconhecer e a definir os nossos limites. Esta humildade traz com ela um dom maravilhoso, a liberdade perante os aplausos, os elogios, as críticas e os julgamentos alheios.

Há cerca de quatro anos, oficializado há um ano, decidi, finalmente, abrir as portas que estavam trancadas na superficialidade das aparências e na formalidade da boa educação. Pensei em mim. Pensei no exemplo que estava a ser para as minhas filhas. Senti. Agi. Escolhi ser feliz! E feliz não é estar sempre bem. Feliz é acolher as várias emoções e no seu estado mais maduro abarca algumas das mais violentas. É aceitar as coisas como elas são e seguir em frente.

E a verdade é que, aos 47 anos, a minha vida é cada vez menos uma representação. O meu teatro, o que desenvolvo diante de uma plateia, precisa, cada vez menos, de aplausos, de reconhecimento e de validação. E neste exercício radical, descobri também que é essa a raiz desta serenidade que me habita, cada vez mais intensamente. A serenidade de poder partilhar o que penso, o que sinto, o que me parece adequado em cada contexto e em cada momento. A serenidade de ser quem sou sem esperar agradar aos demais. A serenidade de viver e ser muito mais autêntica, desde um lugar de amor. Pois, o amor. Estou absolutamente convencida que é ele a diferença naquilo a que me atrevo a chamar: (pré) maturidade. Esta convicção que somos feitos de infinito e de amor. O amor real. Não o amor caprichoso. Não o amor condicional. Não o amor que só gosta de quem gosta de nós, o amor que nos é familiar, o amor definido pelos critérios meramente ‘humanos’. O segredo do amor, do real, é vermos, percebermos, sentirmos que até integrarmos a imperfeição nunca chegaremos à perfeição. Até integrarmos a sombra, não alcançaremos a luz. Até respeitarmos e incluirmos a diferença não encontraremos a união.

E assim, sempre que vibramos em amor, do verdadeiro, sabemos também que a vida é um sopro. Sabemos que a vida é uma passagem. Que somos humanos, sim, só que não somos daqui. Então, ponhamos o amor à altura da nossa natureza. Que o nosso amor vibre e se expanda à altura, à largura, à profundidade do ser infinito que somos. Se é amor o que somos, se nos permitirmos dar-lhe corpo, quando olhamos o outro a partir desta nossa essência, sentimos admiração. Agora, se o olhamos a partir da nossa insuficiência, podemos mesmo, chegar a desejar o pior. Este é enviesamento da fragilidade da nossa autoestima. E se há momentos em que podemos considerar que a vida não é justa, também havemos de saber que para sermos justos, talvez precisemos de reconhecer que essa injustiça é tão só uma interpretação da nossa falta de liberdade e de flexibilidade para aceitarmos e enfrentarmos a realidade como ela é.

Faço votos que este ano, que estou prestes a iniciar, seja o reflexo do meu critério de validação externa que indo ao encontro do meu critério interno diga: amar, a mim e ao próximo, à altura do ser espiritual que também sou. Que somos todos. O que vier, que venha por bem. A Vida fará a sua parte e eu também.