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Reunião entre associação de vítimas e Igreja cria "canal aberto" sobre questão dos abusos

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A Associação Coração Silenciado, que representa vítimas de abuso no seio da Igreja, considerou que a reunião hoje tida em Fátima com a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) criou "um canal direto entre a Igreja e as vítimas".

No final de uma reunião de cerca de três horas entre três elementos da Coração Silenciado e o presidente, o vice-presidente e o secretário da CEP, bispos José Ornelas e Virgílio Antunes e padre Manuel Barbosa, respetivamente, Cristina Amaral, da associação, considerou que se tratou de "uma reunião muito aberta, muito positiva (...) e muito objetiva, também".

"Saímos daqui satisfeitos, com esperança. Saiu daqui um canal aberto diretamente com as vítimas, não precisamos de passar por outras associações [para falar com a Igreja] e vamos trabalhar em conjunto, que era aquilo que queríamos", acrescentou Cristina Amaral.

Segundo esta responsável da associação, a CEP "foi muito aberta e muito positiva".

"A nossa intenção era dar um choque de realidade sobre o tema abusos, que é muito suavizado. Saímos daqui com muita esperança", acrescentou, confirmando que, em relação à questão das eventuais indemnizações às vítimas, vão tentar "encontrar uma via mais ou menos justa, porque nunca será justa, de o fazer".

"É por isso que vamos trabalhar em conjunto", disse, adiantando que, na reunião, a associação deu também ideias à CEP sobre "o canal das denúncias" e sobre a alguma "desumanização" que se verifica no processo.

Cristina Amaral sublinhou, ainda, que os membros da associação foram para a reunião "numa atitude construtiva (...), sempre na tentativa de reparar o passado".

Em comunicado sobre o encontro, a CEP referiu que o mesmo aconteceu "no seguimento do caminho que a Igreja em Portugal tem vindo a percorrer na proteção de menores e adultos vulneráveis".

"O encontro decorreu em ambiente de acolhimento, escuta e diálogo, mantendo-se o nosso compromisso de tudo fazer para acolher e apoiar as vítimas de abusos e contribuir para a reparação das suas vidas, evitando que tais situações se voltem a repetir no seio da Igreja", acrescenta a nota da CEP.

Esta reunião realizou-se dois meses depois da Coração Silenciado ter manifestado, em carta aberta aos bispos católicos portugueses, "tristeza, desagrado e indignação" pela forma como têm "lidado com o tema dos abusos sexuais na Igreja que conduzem".

Na carta, datada de 02 de novembro, a associação considerava que "nove meses depois da apresentação do relatório da comissão criada (...) para o estudo deste tema, (...) muito poucas foram as ações desenvolvidas e as atitudes concretas levadas a cabo".

Acusando a Igreja de se estar a "valer" da prescrição dos casos, em termos criminais, a Coração Silenciado alertava que o "sofrimento não prescreve! Só acresce!".

Na carta aberta, os bispos eram também questionados sobre quantos "já se reuniram, ao jeito do Papa Francisco, com as vítimas" das suas dioceses e quantos já entraram em contacto com a associação, ao mesmo tempo que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) era acusada de não ter ainda formalizado "nenhum convite para diálogo, para saber o que sentem as vítimas, o que precisam, o que esperam da Igreja em Portugal".

Entretanto, na passada sexta-feira, o Presidente da República sugeriu a criação de uma comissão independente tutelada pelo Estado para investigar os abusos sexuais na Igreja católica, disse a Associação Coração Silenciado à saída de uma audiência com Marcelo Rebelo de Sousa.

Segundo um dos representantes da associação, António Grosso, o Presidente da República defendeu ainda que "é responsabilidade do Estado o problema das indemnizações, não deixando de reconhecer que a Igreja tem de tratar do assunto também".

À saída da audiência com o chefe de Estado, que decorreu ao final da tarde no Palácio de Belém, em Lisboa, Cristina Amaral e António Grosso, vítimas de abusos pela igreja católica e representantes da associação de vítimas disseram que a sugestão, que tem por base o modelo seguido em Espanha de nomeação de um defensor público para uma investigação ao nível do Estado, sem interferência ou participação da Igreja, partiu de Marcelo Rebelo de Sousa.

Por iniciativa CEP, uma comissão independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht investigou casos de abuso sexual sobre menores no contexto da Igreja Católica nos últimos 70 anos e, a 13 de fevereiro de 2023, apresentou o seu relatório final, após um ano de trabalho, no qual validou 512 testemunhos, estimando um número de 4.815 vítimas, entre 1950 e 2022.

A investigação de casos de abuso sexual na Igreja Católica foi continuada com a constituição do Grupo Vita que, no dia 12 de dezembro de 2023, apresentou o seu primeiro relatório de atividades, no qual informa que identificou 64 vítimas de violência sexual e um agressor desde o início dos seus trabalhos, a 22 de maio de 2023.