Fact Check Madeira

Podem as forças políticas fazer propaganda no interior de qualquer espaço comercial?

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O período de campanha eleitoral, que hoje começa, vem acentuar uma dúvida, que muitos cidadãos se colocam e que nos fazem chegar: podem as várias forças políticas fazer propaganda no interior dos espaços comerciais?

A resposta não é linear, mas, em síntese, podemos já adiantar que dependente do tipo de espaço comercial, que estiver em causa, e da área a utilizar.

O DIÁRIO contactou os responsáveis de campanha de algumas forças políticas, que nos disseram não saber responder com precisão jurídica. Explicaram que isso se deve ao facto de, por regra e indicação nos seus partidos, nunca ser feita propaganda em locais em que os proprietários ou responsáveis se oponham. É seguida, ao que nos garantem, a regra no bom senso.

Assim, tentámos perceber, quando não existe esse bom senso ou quando há discordância entre proprietários e agentes políticos, que regras prevalecem. Para o fazermos, socorremo-nos de algumas deliberações da Comissão Nacional de Eleições – CNE, a propósito de outros actos eleitorais, mas em que a questão é abordada.

Uma deliberação da CNE de 2015 (Acta N.° 220/XIV da reunião de 17 de Setembro), a propósito de uma Comunicação da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, analisa, do ponto de vista do direito, o que está em causa. Estão direitos fundamentais e consagrados na constituição, como o direito à liberdade de expressão, que tem expoente máximo na liberdade de propaganda, e o direito de propriedade.

Como é referido, quando estão em causa direitos fundamentais e com consagração na Constituição da República Portuguesa, eles nunca deixam de existir, mas, por vezes são conflituantes com outros. “Os direitos fundamentais não são ilimitados, pelo que importa assegurar a adequada compatibilização entre a liberdade de expressão, exercida através da actividade de propaganda, e todo um conjunto de valores também constitucionalmente tutelados”.

“A solução da situação de ‘conflito’ deve encontrar-se no quadro da unidade da Constituição, mediante a harmonização tão equilibrada quanto possível dos preceitos divergentes, prosseguindo-se a realização da sua concordância prática no respeito pelo critério da proporcionalidade na distribuição das ‘compressões’ dos direitos em confronto”.

“Não existindo norma que proíba ou limite expressamente aquela actividade, a distribuição de propaganda, como manifestação do direito fundamental da liberdade de expressão, só pode ser restringida se, em caso de conflito, outro direito constitucionalmente protegido deva prevalecer. Ou seja, sempre que esse direito contenda com outros em casos concretos, nos quais se possam criar ‘zonas de lesão’, pode aquele ser afectado e dada prevalência a outro direito.”

Na análise em causa, a dedução é de que há um conflito “entre o direito de liberdade de expressão, concretizado na distribuição de propaganda, e o direito de propriedade privada, associado a centros comerciais e aos espaços comerciais/grandes superfícies de comércio”.

Depois de analisado do ponto de vista jurídico, as conclusões foram claras: “Afigura-se que a distribuição de propaganda política e eleitoral deve decorrer sobre uma total liberdade sempre que decorra em locais onde a circulação de pessoas não tenha qualquer tipo de restrição, como acontece em espaços privados de acesso público, como é o caso dos centros comerciais e dos grandes espaços comerciais independentemente das áreas de utilização comum serem no interior ou exterior dos mesmos.”

Mas se análise incidir nas lojas individualmente, a limitação ao direito de propaganda já existe. Por maioria de razão, o mesmo acontece nos espaços comerciais fora das grandes superfícies, integradas ou não em centros comerciais. “Admite-se, porém, a existência de limitações ao exercício da actividade de propaganda sempre que a mesma decorra no interior das próprias lojas implantadas em centros comerciais, assim como no interior, entenda-se dentro já do perímetro definido pelas linhas de caixas/frente de loja, dos grandes espaços comerciais tal como definidos pela APED (Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição”.

A Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Madeira, na mesma linha do que acontece com a da Assembleia da República, obriga as entidades públicas e privadas a tratarem as candidaturas de igual forma. O que significa que se um privado autorizar a distribuição de propaganda dentro da sua loja a um partido, também tem o dever de autorizar aos demais, que o pretendam.

Na Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Madeira isso consta do Artigo 59º: “Os candidatos, os partidos políticos e as coligações que os propõem têm direito a igual tratamento por parte das entidades públicas e privadas a fim de efectuarem, livremente e nas melhores condições, a sua campanha eleitoral.”

Este dever é lembrado pela CNE na deliberação já referida.

Mais recentemente, em 2019, a uma queixa da CDU por impedimento de distribuição de propaganda no Centro Comercial Colombo, a CNE reafirmou a sua posição e, como na outra deliberação (Ata N." 236/CNE/XV da reunião de 23 de Abril), informou a PSP para que as forças polícias, quando chamadas a intervir, garantam os direitos das forças políticas. “No caso em apreço, pese embora a situação tenha sido esclarecida e resolvida, delibera-se reiterar o entendimento desta Comissão sobre a distribuição de propaganda em espaços privados de livre acesso público, supra exposto, junto da Administração do Centro Comercial Colombo, bem como solicitar ao Director Nacional da Polícia de Segurança Pública a sua divulgação pelos agentes policiais, de modo a garantir que não ocorram, no futuro, situações de impedimento à actividade de propaganda (…)”.

Em síntese: não pode ser impedida a propaganda em espaços privados de acesso público e livre, mas nos demais espaços pode. Nestes últimos, quando for permitida a actuação a uma força política, em nome da igualdade de tratamento, deve de ser permitida a todas as outras.

Os donos e/ou gestores dos espaços comerciais podem impedir a realização de propaganda política nos mesmos.