Análise

Uma lição para os sem rosto

Mesmo sabendo que só 47 serão deputados há 1.222 empenhados nas próximas eleições

Os que se batem quotidianamente por uma maior intervenção dos cidadãos na vida colectiva devem manifestar consideração por todos aqueles que, nas próximas eleições legislativas regionais, vão a votos. É certo que a ânsia de protagonismo cega alguns que nem viram que tinham o cartão de cidadão caducado, que a incapacidade criativa atrofia outros e que o défice de notoriedade sufoca uns poucos, mas desvalorizar quem dá a cara por causas nobres ou ridicularizar quem se mete em apertos quando até podia estar descansado atenta contra a democracia genuína. Manifestamos o nosso apreço aos que se empenham na participação activa e assumem as responsabilidades. As 13 forças políticas que concorrem às eleições podem ser sinal de muita coisa, mas também demonstram capacidade mobilizadora e denotam vitalidade democrática.

Os 1.222 candidatos, 611 dos quais efectivos merecem uma palavra de incentivo. Mesmo tendo em conta a máxima de teor bíblico que “são muitos os chamados mas pouco os escolhidos”, os que disputam 47 lugares no parlamento não podem ser tratados com desdém e etiquetados como reles oportunistas à espera de migalhas mediáticas e de uns dias de ócio para que possam fazer campanha, muitas vezes apenas atrás do teclado.

Os que levam esta jornada de luta com seriedade e que fazem quilómetros no terreno, mesmo sabendo que a luta é desigual, devem ser estimados. Nem todos têm os mesmos meios e orçamentos, as mesmas máquinas e popularidade, mas nem por isso deitam a toalha ao chão. Merecem ter igualdade de oportunidades, que na abordagem jornalística não é passível de ser confundida com um número idêntico de caracteres, de fotos e de citações, até porque todos sabem que há uns mais iguais do que outros e que os critérios editoriais não estão em saldos mesmo neste contexto de redobrada vigilância, como se as eleições se decidissem só agora.

Uma palavra aos que habitualmente constituem listas. Nota-se nalgumas propostas lacunas na diversidade profissional, que há classes dominantes intocáveis e poucas novas excepções em áreas do saber e do fazer que são decisivas nos tempos modernos. São necessários especialistas no futuro e gente competente na vertente tecnológica, sobretudo numa era marcada pelos cibertaques, pelos nómadas digitais e pela inteligência artificial, mas também peritos em alterações climáticas, dado o caos instalado num mundo que regista recordes de temperatura, degelos preocupantes, incêndios dantescos e cheias arrasadoras. Isto não vai lá só com os respeitados advogados, médicos e professores.

Um alerta a quem faz as leis, ou seja, aos políticos que durante quatro anos também esbanjam oportunidades de corrigir assimetrias. Tornem a missão mais aliciante e mais bem remunerada, capaz de atrair os melhores da sociedade para a a vida pública. Para além da exposição tremenda e do escrutínio severo, ganha-se mal em cargos de poder, a capacidade de geração espontânea de amigos da onça é elevada e à conta dessa perigosa mediocridade assiste-se a uma propensão para os esquemas que atraiçoam compromissos e favorecem a corrupção.