A Guerra Mundo

Há pessoas na Rússia que "não acreditam" que estão a cair bombas na Ucrânia

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Ao fim de um ano de guerra, há pessoas na Rússia que "não acreditam" que estão a cair bombas na Ucrânia, disse à Lusa Anastasiia, uma web designer de 29 anos que se refugiou em Portugal com o marido.

Anastasiia sempre trabalhou e conviveu com russos quando vivia na Ucrânia: "Ainda tenho amigos, infelizmente até familiares que apoiam a guerra, mas algumas pessoas continuam a ser contra a guerra", referiu.

"Muitos dos meus amigos e colegas saíram da Rússia a 24 de fevereiro, muita gente. Foram protestar contra a guerra, mas infelizmente foi mau para eles e tiveram de sair da Rússia", contou.

O conflito armado está a dividir "muitas famílias", assegurou. "Estou na Ucrânia e vejo bombas e dizes-lhes isso e eles dizem ´Não, não são bombas. O meu presidente disse-me que não são bombas. Ele protege-vos´".

"Vejo estas bombas a cair dentro das casas e eles não acreditam! É muito estranho, mas acho que a propaganda fez muito (...), mas ainda há muitas pessoas contra a guerra", disse Anastasiia quando questionada sobre o contacto com o outro lado da fronteira.

Nem Anastasiia nem o marido pensaram que a guerra podia acontecer, apesar dos avanços russos sobre território ucraniano nos últimos anos, que já haviam ditado a anexação da Crimeia.

"Nunca pensei. Mesmo antes da guerra, as pessoas falavam que talvez a guerra acontecesse e eu dizia-lhes como podia acontecer, viriam tanques pelas ruas? Não, não acreditava. E o meu marido também não acreditava, não podíamos acreditar", recordou.

Ao fim de um ano de guerra aberta, a jovem web designer não vê abertura para um acordo político que cesse o conflito iniciado a 24 de fevereiro de 2022 e que provocou a maior vaga de refugiados na Europa desde a II Guerra Mundial. Mais de 14 milhões de pessoas abandonaram as suas casas, entre deslocados internos (6,5 milhões) e refugiados em países europeus (mais de 7,9 milhões).

Na cidade onde nasceu, na Ucrânia central, muitos jovens da sua idade, com 28 e 29 anos, morreram na guerra. Odessa, onde vivia com o marido, também não escapou à incursão russa.

Anastasiia voltou à Ucrânia em outubro para visitar os pais e tentou demovê-los de continuarem no país: "Os meus pais tiveram muitos problemas de saúde, estavam muito nervosos. Pude sentir o que eles sentem na Ucrânia. É assustador, as pessoas habituam-se à guerra, habituaram-se aos ´rockets´ e isso não é muito bom".

A Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou na semana passada que cerca de 10 milhões de ucranianos, quase um terço da população que permaneceu na Ucrânia após a invasão pela Rússia, sofrem de problemas mentais e "quatro milhões apresentam sintomas moderados e severos".

Anastasiia acompanha as notícias da Ucrânia através da plataforma digital Telegram. "Estou sempre a ver, cada ataque e tudo o resto", indicou.

Há quase um ano em Portugal, a decisão de regressar ao país fica adiada pelas circunstâncias: "Queremos ter filhos, mas não imagino crianças naquelas condições, sem eletricidade, sem aquecimento".

Por enquanto, os esforços são de integração em Portugal, passando pela aprendizagem da língua, na qual vê mais do que uma vantagem. "Quando percebes português, consegues entender também um pouco de espanhol e um pouco de italiano. Aprendes uma língua, mas consegues compreender várias línguas ao mesmo tempo", constatou.

Ainda se expressa com mais facilidade em inglês, mas gosta da língua portuguesa e de "canções portuguesas", assim como da diversidade de culturas que lhe faz lembra Odessa, onde existem 140 nacionalidades. E do sol.