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Natal, natais ou nem isso?

Estamos na época mais intensa quanto a manifestações de solidariedade, mas, brutalmente, na menos vivida do ponto de vista religioso.

O Papa, na preparação para o Natal, exorta: «mesmo que signifique ir contracorrente», «valorizemos o silêncio, a sobriedade e a escuta.»

O cardeal Tolentino sustenta que o Natal tem a «responsabilidade de [ser um momento de] uns pelos outros.»

Na segunda missa do parto, o bispo do Funchal afirmou que, nesta altura, há «muitas festas de Natal, mas muito pouco Jesus». Provavelmente, só o jornalista do DN é que ouviu esta denúncia. Pois…, anda assim tanta gente enganada a fazer de conta que contribui para o Natal?

Há 50 e mais anos, chegar a esta época do ano era motivo para ter e fazer o que no resto do ano não era possível. Até os mais pobres se esmeravam para ter um dia de Natal com uma mesa repleta de iguarias, sem olhar a despesas! Neste dia, a família estava toda em casa reunida e até se rezava antes do almoço!

Uns dias antes, havia as missas preparatórias, chamadas missas do parto (na Madeira) ou Nossa Senhora do O (continente). Desde há poucos anos, reabilitou-se o hábito pelas missas do parto, acompanhadas de um conjunto de folclores demasiado superiores, em tudo, às próprias missas. Cada «cliente» interpreta a missa do parto como melhor lhe convém, quer para fazer uma passeata com um determinado grupo, quer para percorrer os espaços de convívio à volta das ditas missas do parto.

Voltando ao Cardeal Tolentino, este considera o Natal uma «oportunidade» para o «relançamento da vida». Ironicamente, que a palavra «oportunidade» tem sido explorada de modo tão intenso e variado, lá isso é verdade! Vejamos: no comércio, nas compras, nos presentes, nas promoções de época, nos concursos de Natal, nos subsídios de Natal, etc. Na verdade, o Natal é uma oportunidade para quase tudo. Não me parece ter sido esta a perspetiva do poeta machiquense!

O Natal é um tempo muito especial, possuidor de um carisma que é capaz de tornar as pessoas ligeiramente diferentes do resto do ano: os convívios, a música única da época, os filmes a condizer com os atos milagrosos de bondade dos maldosos e mais uns acontecimentos que hipnotizam quase todos.

A Igreja cristã, o que fez?

Celebrar o nascimento do menino Deus, nesta altura, é um oportunismo que foi criado no século IV. Segundo algumas versões, foi uma invenção para substituir as festas pagãs do deus sol, com o objetivo de afastar os cristãos das festas idolátricas. E resultou!

Hoje, que faz a Igreja cristã?

Aproveita as romarias e intromete-se, permitindo que à volta das igrejas aconteça a paganização das missas do parto. Na noite de Natal, teatraliza-se o acontecimento do nascimento, ato que permite novas romarias para avaliar qual a paróquia que tem a missa do galo mais bonita! E ficam todos felizes pela algazarra criada, porque tudo é permitido!

O que é que deveria ser o Natal?

Aceito a sugestão do poeta/cardeal Tolentino: «Cada um [ser] personagem do presépio», mas o problema é que a alegria à volta do dia 25 esgota-se com o por-do-sol! E depois?

Qual deveria ser o contributo da Igreja?

A Igreja criou o Natal e agora está a colaborar na sua paganização através do modo como passa a mensagem, não por ser realizada por padres novos ou velhos, mas pela forma desatualizada e descontextualizada, metodológica e pedagogicamente falidas, como o faz! Quem sabe, fala em vão! Quem não sabe, apenas se ouve a si e autocompensa-se na folclorização da vida religiosa: demasiado reboliço, missas ruidosas, cânticos aberrantes, assembleias caladas, celebrações para espetador ver. Cumpre-se um ritual e as pessoas vão e obedecem ao preceito. Na Madeira, há o cristianismo celebrado na catedral e as outras celebrações, «ad libitum», nas restantes paróquias onde alguns padres preferem cultivar o atrupido, as bandas, as cornetas, os sinos, os foguetes e afins, sem qualquer nexo de sustentabilidade.

Porque o mundo está numa mudança tecnológica e loucamente rápida, a Inteligência Artificial tem a sua opinião sobre esta matéria do Natal. A resposta é deveras crítica sobre o Natal dos humanos: «é uma época do ano que evoca uma mistura de sentimentos e significados diferentes para cada um; época de consumismo desenfreado, de desigualdades sociais acentuadas, de pressões emocionais, sobretudo, a solidão e a tristeza, de comercialização da solidariedade: a caridade e a compaixão não são sazonais; é uma época de paganização do Natal, de perda do significado espiritual: o Natal é uma celebração cultural.» (ChatGPT). Uau!...

Como tens razão, Tolentino: «Nós precisamos de nascer […] No fundo, [ter] a capacidade de ser».

Enquanto o Natal for para acontecer, esquecer e voltar a repetir-se, não passará de um conjunto de natais ou até nem isso!