Acerca do Dia dos Avós: memórias

Nesta data especial, os meus pensamentos recuam até à minha infância e à casa da minha avó, Filomena de Jesus.

Foi na sua pequena habitação que tive o privilégio de descobrir a liberdade e a melodia dos amanheceres da serra, com o ramalhar das folhas nas árvores, o doce cantarolar dos pássaros e a sinfonia das águas da ribeira que corria por aqueles lados.

No seu terreiro, qual cartão de boas-vindas, brotavam cores e cheiros das mais variadas flores. Tantas e tantas vezes, este postal era complementado com a sua figura, sentada, à soleira de uma porta, a executar minuciosos trabalhos de bordado Madeira.

Ela, que não tivera uma vida facilitada, recebia-nos sempre com uma imensa ternura. As vicissitudes de uma árdua labuta nunca lhe tiraram a doçura do olhar e a gargalhada contagiante.

E nós, netos, com as traquinices próprias da idade, tínhamos neste lar um regaço imensurável de paciência e amor. Para qualquer maleita que tivéssemos, ela tinha sempre uma mezinha tradicional, feita a partir de uma qualquer planta, que docilmente cultivava. Sobre a mesa havia sempre um bule com um delicioso chá de hortelã, com um paladar que jamais provei igual.

Ficávamos horas e horas à sua beira e escutávamos as histórias de outros tempos, de outras realidades. Em alegria, cantava-nos as trovas que conhecia, que nos transportava para as suas próprias memórias e vivências.

Na sua simplicidade, enquanto bordava, a minha avó cuidava de nós e ensinava-nos o mundo.

Com pequenos panos de linho e desenhos estampados por ela, mostrou-me alguns dos pontos desta arte e os tormentos pelos quais passou.

Pela sua dócil voz, ouvi expressões e ditados populares atemporais e que hoje em dia recordo com saudade.

Com a dificuldade própria de quem não frequentou a escola, e sabendo apenas escrevinhar o seu nome e algumas palavras, também me ensinou a escrever as minhas primeiras vogais.

E que orgulho eu tenho desta escola da vida e da pessoa que ela foi e sempre será.

Lisandra Faria