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A República da Madeira?

Celebra-se hoje o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Neste dia, em vez de palavras de circunstância, permita-me fazer perguntas ousadas:

Serão os madeirenses, também portugueses? Fará sentido existir, ou mesmo, será viável, haver uma República da Madeira, independente da nação Portuguesa?

Pode parecer uma questão esotérica, ou até mesmo estúpida. Mas, inúmeras vezes foi sugerida por vários dirigentes regionais. Umas vezes de forma subtil, outras mais diretas. Inclusive, recentemente, por ex-colegas parlamentares, numa clara retórica sofista.

A nossa Constituição estabelece nos artigos 3 a 6, uma soberania, una e indivisível. A validade das leis e dos atos das regiões autónomas (e restante Estado) depende da sua conformidade com a Constituição. Mais, Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Especificamente, o Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce.

Assim, o Estado é unitário e vinca, de forma superlativa, a diferença entre Autonomia e Cessação. A primeira é um percurso constitucional, democrático, uma dialética constante entre governos, gerida pelo Tribunal Constitucional. Na segunda, a Constituição diz ser terreno de traição à Pátria, com duras consequências penais para os seus perpetradores. Assim a escreveram e aprovaram, para bem e o mal.

“Ao contrário da Espanha, que é múltipla na relação consigo mesma, Portugal é, por assim dizer, exageradamente uno”, eis o que nos deixou de herança o pensador Eduardo Lourenço. Na verdade, somos um exemplo raro e duradouro de coexistência e unidade na Europa, ou mesmo fora dela.

É curioso comparar a evolução destes sentimentos independentistas, em ambos arquipélagos. Pujantes no início da autonomia açoriana, desvaneceram com o tempo, até quase desaparecerem. Os açorianos optaram por um diálogo construtivo com todos os governos da República e o tom das relações é ameno. A estratégia é vencer pelo convencimento. Com frequência, na Madeira, é vencer pela confrontação. Volta-se recorrentemente ao discurso ambíguo e subtil da cessação, ao mesmo tempo que a República tende, não sei se por isso, a prejudicar sempre a Madeira. E, curioso, o pior acontece quando os dois governos têm a mesma cor política, tal como aconteceu nos tempos de Cavaco Silva e Passos Coelho.

A 27 de junho de 2014, Alberto João Jardim apresentou o livro “O deve e haver das finanças da Madeira”, que reflete o estudo que encomendou sobre os séculos XV a XXI, coordenada pelo historiador Alberto Vieira.

O objetivo era avaliar se a República tinha, ou não, uma dívida histórica à Madeira.

Subjacente, era criar uma onda de fundo para exigir um patamar de autonomia muito acima do texto constitucional. Ou, convencer-nos que a Madeira não precisa do Continente para nada. Supostamente, teríamos uma total sustentabilidade económica e financeira para ser independentes, justificando uma hipotética cessação de Portugal.

Apesar desta prosa idílica de quase 800 páginas (“A Ilha do tesouro para a metrópole”), os independentistas deitam tudo a perder em curtas palavras: “Podemos afirmar que a Madeira nunca soube de forma clara, qual o seu contributo no gerar da riqueza nacional. Os dados da Estatística Histórica não são muito claros.” – página n.º 792.

Já o peso dos números no presente é inequívoco. Vejamos: o custo com a saúde e a educação regional consome 730 milhões de euros/ano. A dívida e o serviço da dívida madeirense mais de 300 milhões. Todas as receitas geradas na Região, mal dão para cobrir os exemplos referidos e, sem o apoio da República e da EU, não nos restaria dinheiro para mais nada. É assim na Madeira, é assim nos Açores.

Creio que a questão basilar é outra: em mais de 600 anos de existência conjunta, alguém consegue descortinar na génese do “ser Madeirense” algum desvio do “ser Português”? Um sentimento é antagónico ou impeditivo do outro? Não vejo como.

E o que aconteceria à Madeira se viesse a ser independente?

Como seria a carta magna da nova república? Que inovações seriam plasmadas nos direitos, liberdades e garantias? Qual seria o grau de participação e de cidadania na construção social, cultural e económica?

E o que aconteceria às comunidades madeirenses? Aos madeirenses no Continente e Açores? Aos continentais e açorianos na Madeira? Como se definiria ser Madeirense?

Quem avalizaria a nossa dívida? Quem sustentaria o nosso “rating”? Quão doloroso seria o processo de separação económica e social?

Teríamos recursos para ter uma política externa com presença na ONU, OMS, FAO, OIT, FMI, Conselho da Europa? Ou, como faz o Liechtenstein ou San Marino, delegávamos a nossa representação externa num outro país?

Como seriam os serviços agora pagos pela República: a Justiça e os tribunais? As universidades? E as Forças Armadas? As polícias? Onde teríamos que cortar para haver dinheiro para tudo isto?

Confesso que não encontro respostas…

E então, aqueles que questionam a cessação do Estado português, são para ser levados a sério? É mesmo para avançar? É para pressionar as negociações com a República ou a UE? Ou é uma brincadeira, um Faits divers, para distrair a população?

Não sei, mas o cardeal Tolentino Mendonça retrata a incapacidade de muitos políticos em falar das “necessidades reais das pessoas”? Qualquer um é livre de brincar ao monopólio dos países, mas, ao lermos Tolentino, somos alertados para o que verdadeiramente precisamos, que é de “líderes com maior consciência”.

Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, apresentado recentemente, deveria servir de mote às comemorações do Dia de Portugal deste ano. É referido “um decréscimo significativo” no nível de “desconfiança dos portugueses na democracia e na classe política”. Constata uma das maiores desigualdades entre classes sociais existente na União Europeia, os níveis de corrupção, a incapacidade de apoiar as empresas e gerarem mais riqueza. O estudo identifica estes problemas na totalidade do país.

Perguntar-se-á então, com a constatação destes problemas, será prudente, ou mesmo útil, colocar em causa a soberania nacional nalguma parcela do País?

Os madeirenses são um povo trabalhador, orgulhoso da sua história, pacífico e fraterno. E muito pragmático. Emigrou para encontrar prosperidade e educação para os filhos. Não embarcam em viagens que os levam a lugar nenhum.

E sentem-se tão portugueses como qualquer outro concidadão. E merecem ser tratados como tal.

Viva a Madeira, Viva Portugal!