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Quando as gueixas e os camones se encontraram no Pico Ruivo

Há umas semanas juntei-me a uns amigos a caminho do Pico Ruivo. O sol, a natureza e a curiosidade de conhecer o ponto mais alto da Madeira levaram o nosso grupo, num sábado, porque as pessoas trabalham, a um cenário inimaginável. Chegámos à Achada do Teixeira pelas 11 horas e eu juro que pensei que tinha chegado às Vespas, há uns vinte anos, quando dávamos dez voltas para parar o carro e o deixávamos em qualquer buraquinho que encontrássemos. Começámos a subida. A dar e a pedir licença aos camones que se cruzavam connosco, uns com bebés nos cangurus, outros vermelhos como um caranguejo, outros de chinelinho de meter o dedo. Só faltava a meia branca por dentro, tipo gueixa. Pouco ouvimos falar português pelo caminho e lá fomos subindo e constatando que os turistas podiam fazer os passeios durante a semana. Talvez não fosse má ideia dizerem nas receções dos hotéis que somos uns selvagens e que ao fim de semana vamos para a serra nos comportar muito mal. Não se pode com tanta pressão, sobretudo na bexiga, quando ela enche. A fila para a casa de banho, avariada por falta de água na zona, parece a de uma paragem da Horários do Funchal à hora de ponta. Caixotes do lixo, não há, para nos obrigar a trazer o que produzimos de volta. Nisso até somos educados, não deixamos os nossos créditos por mãos alheias. A esplanada da casa de abrigo assemelhava-se à tal saída das Vespas na manhã de sábado. Gente por todo o lado com ar esgazeado. Uns a chegar do Pico do Arieiro, outros já a iniciar o regresso. Subimos. Entre as urzes e os degraus irregulares, não faltou a tipa que queria tirar a melhor foto, ali na beira do abismo e enquanto olhávamos para ela vimos o areão escorregou-lhe debaixo dos pés. Pensei que era a última foto. E pensei na maçada que ia dar aos bombeiros para a irem procurar no penhasco.

Na descida, atrás da casa, ainda conseguimos ver dezenas de lenços de papel espalhados pelo chão e uns quantos na fila para usar os esconderijos que a giesta e a carqueja conseguem proporcionar. De regresso à Achada do Teixeira mais chinelos, mais vermelhidões e uma criança de dois anos pela mão da mãe, com sapatinho de sola seca. No meu grupo, um gestor a fazer contas a cada cabeça que passava. Dois euros, mais dois euros, o dinheiro que conseguíamos fazer com estas visitas se cobrássemos entradas, constatava ele. Totalmente a favor, nem que fosse uma medida drástica e impopular de a cobrar aos turistas. Um euro a residentes. Já não se pode com tanta borla e quando vamos aos outros sítios, mesmo em Portugal, pagamos e não piamos. Pelo menos daria para um sistema que permitisse transportar água para as casas de banho, para não termos de ver tanta mulher andar como uma gueixa pelas serras da Madeira.