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Discernimento na Defesa da Ultraperiferia

O Parlamento Europeu aprovou, por larga maioria, o relatório a política para as ilhas da UE, no qual se faz um apelo a um conjunto de respostas aos desafios com que se confrontam estes territórios europeus.

À partida, um documento inofensivo, que passou despercebido entre negociações de última hora do pacote legislativo “Fit for 55”, mas que não mereceu a aprovação dos deputados do PSD no Parlamento Europeu.

O documento sublinha, e bem, os problemas estruturais causados pela insularidade, nomeadamente a dependência dos transportes aéreos e marítimos e os custos consequentemente mais elevados de certos produtos e serviços por estarem distantes dos mercados continentais.

A meu ver este relatório está desenhado para ser um “cavalo de Troia”! Com pequenas adaptações, recorre à conceptualização, fundamentação e base legal dos Tratados, que salvaguarda a ultraperiferia da União, apelando à criação de um pacto que se estenda a 2400 ilhas europeias. O que significa que não vislumbro vantagens a curto-prazo para regiões como as ultraperiféricas portuguesas, Madeira e Açores, e antevejo sim uma perda competitiva futura.

É positiva a defesa do aumento do POSEI no próximo quadro financeiro, mas já não me parece tão positivo que, no mesmo documento, se defenda a criação de instrumentos que muito se assemelham aos já existentes para a ultraperiferia. É positivo porque fala do potencial de desenvolvimento e aproveitamento da biodiversidade das ilhas, mas importa relembrar que 80% da biodiversidade europeia está já nas Regiões Ultraperiféricas.

As características das ilhas estão de facto reconhecidas nos 174º e 349º do Tratado, mas por algum motivo não estão consolidados num único artigo. Ora, se por um lado, no 174º, estão consagradas as zonas rurais, as afetadas pela transição industrial, as mais setentrionais, bem como as de baixa densidade populacional, transfronteiriças, de montanha e as insulares, por outro, no 349º, é criado um estatuto específico de ultraperiferia, precisamente por experienciarem dificuldades demarcadas das demais.

O artigo 349º, utilizado para robustecer o documento, acarreta o risco do seu próprio esvaziamento, com a criação de políticas indiscriminadamente iguais para todas as ilhas europeias. “One size does not fit all”, tantas vezes utilizado como argumento, ganha tanto ou mais sentido neste caso. Insularidade, periferia e ultraperiferia são conceitos distintos.

Reconheço o cuidado de apontar derrogações distintas para unidades territoriais distintas (NUTS), mas definir políticas públicas europeias para ilhas europeias com “o mesmo chapéu” que Estados-Membros insulares como a Irlanda, com o segundo maior PIB per capita da União e compará-los com Malta, Santorini, Sicília, os Açores ou a Reunião não faz qualquer sentido porque não é justo.

Não obstante a solidariedade que todos estes territórios nos merecem, enquanto representante de duas regiões arquipelágicas, mas ultraperiféricas - a Madeira e os Açores -, não podia ter votado a favor deste documento. Ainda que tenhamos submetido alterações para o melhorar e alertando para as ameaças eminentes que continha, na tentativa de controlar danos, acabamos por não aprovar o texto final em plenário.

A ânsia de alguns políticos quererem aparecer em tudo e esgrimir pareceres sobre tudo, não abona a favor do discernimento inerente à produção de texto legislativo. Neste particular, bastava acompanhar e propor melhorias à Estratégia Europeia para a Ultraperiferia, essa sim deve ser consolidada para um melhor desenvolvimento das nove regiões Ultraperiféricas europeias.