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Homenagens também se fazem em vida

As famosas “bilhardeiras” da nossa infância foram substituídas pelos reality shows que invadem a nossa casa, sobretudo nos fins-de-semana, através dos canais de TV. Sofreram um up-grade. Tornaram-se profissionais, recebendo agora dinheiro para dizerem as “bilhardices” e fazerem “barracadas” em direto. Quanto maior a “barracada”, maior o sucesso.

Uma “bilhardice” verdadeira até tem o seu interesse. Permite-nos averiguar os valores e o carácter das pessoas visadas. Mas tirando isto, não contribuem em nada para a melhoria da nossa vida, nem para o aumento de cultura do nosso povo. E como são tão cansativos estes programas de televisão. Pensando bem, talvez seja esta a razão da generalização da mediocridade dos tempos de hoje e do desânimo no futuro.

Vem esta afirmação a propósito da comparação dos tempos atuais com o passado e com o possível futuro que nos espera.

Nalgumas sociedades, o saber e o conhecimento, independentemente da idade, são valorizados. É justamente nessas sociedades que se regista o maior grau de felicidade. Quer jovens brilhantes, quer pessoas de mais idade com grande sabedoria, deveriam ser valorizados.

Por estes dias, lembrei-me de tantas pessoas de valor que conheci na minha vida e, entretanto, estão esquecidas, ou “afastadas”. Algumas com tanto ainda por dar. Já agora, esclareço os mais distraídos sobre o que mais me motiva. A minha grande luta é contra a maldade humana que teima em abafar o conhecimento simplesmente porque se recusam a serem “marionetas” e pensam pela sua cabeça. Não tenho bandeira e qualquer um pode vir a ter o meu apoio se eu considerar que a pessoa e/ou ideia é o melhor para o futuro.

Esta coisa de fazer parte do “grupo certo”, da “família certa”, das jantaradas “certas”, dos círculos políticos “certos”, como garantia de sucesso é uma falácia. Uma ilusão cuja fatura pagamos bem caro quando pagamos nossas contas ao final do mês, ou quando vamos ao supermercado. É só olhar com olhos de ver para notar quantos vivem e sobrevivem em posição fetal e se pavoneiam como se fossem os mais “sabidos”.

Nas biografias dos grandes génios é-nos relatado, por diversas vezes, a generosidade das “elites” com as pessoas mais humildes que revelavam inteligência, esperteza, capacidade e determinação em fazer algo mais pelo Mundo. Esta generosidade desinteressada parece que quase desapareceu.

À conta disto, dei por mim a pensar que as homenagens não se devem fazer apenas a título póstumo. Algumas devem ser feitas ainda na vida do homenageado, desejando-lhes muitos anos de vida com muita saúde e votos para que sejam verdadeiros decanos na evolução da nossa sociedade.

Nesta minha reflexão, lembrei-me do meu amigo José Miguel Jardim d’Olival de Mendonça e lembrei-me do seu trabalho durante 21 anos como Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Lembro-me da sua luta para dignificar o Parlamento Regional e do seu desconforto com algumas palhaçadas que por lá ocorreram. A sua grande preocupação era cumprir a sua missão e empenhava-se em dignificar a “Casa da Democracia”. Ainda assim, a diferença de opinião com alguns deputados nunca o impediu de respeitar o adversário e de persistentemente procurar soluções diplomáticas para um maior respeito (naquilo que era o seu conceito de respeito) pelo Parlamento Regional. E como foi um exímio diplomata da Madeira junto do Governo da República. A sua bandeira era fazer o melhor pela nossa Região. Um verdadeiro estadista. Poucos conhecem a sua intervenção por ser um homem tão discreto.

Viu-o, algumas vezes, magoado pela falta de lealdade, mas sempre o vi respeitar a diferença de opinião. Entre nós, nem sempre estivemos de acordo, mas sempre houve um grande respeito mútuo, apesar da diferença de idade.

O que poucos sabem também é que para além desta capacidade política de diplomacia interna e externa, o Presidente dr. Miguel Mendonça, é acima de tudo um médico com grande humanismo. Em 1978, foi responsável por instalar a Unidade de Hemodiálise do Centro Hospitalar do Funchal (a primeira em Portugal a funcionar fora dos grandes centros de Lisboa, Porto e Coimbra). E fê-lo porque assistiu a mortes por falta de condições hospitalares para tratar doentes com crises renais e isso comoveu-o.

Antes de ser Presidente da Assembleia foi também Secretário Regional dos Assuntos Sociais e Saúde, entre 1980 a 1984. Durante estes 4 anos conseguiu baixar a taxa de mortalidade infantil de 25 por mil para 11 por mil crianças. Uma baixa acentuada em 4 anos. E o mais incrível é que durante o tempo em que foi Secretário Regional continuou a exercer a medicina pro bono.

Comparemos este passado com o presente. Zeca Afonso provavelmente teve uma premonição sobre o futuro quando escreveu a canção “Vampiros” e como tinha razão quando escreveu “Eles comem tudo e não deixam nada”.