Mundo

Julgamento de jornalista em França sobre contestação do genocídio no Ruanda

Foto DR
Foto DR

O julgamento na terça-feira e hoje, em Paris, da jornalista Natacha Polony colocou em debate conceitos divergentes como a luta contra a negação do Holocausto e a luta pela verdade histórica, no primeiro caso judicial do género em França.

Em causa está a contestação de Natacha Polony ao genocídio dos tutsis no Ruanda em 1994.

A jornalista é a primeira a ser julgada em França por "contestar a existência de crimes contra a Humanidade" no Ruanda, ao abrigo de uma lei de 2017 que pune a negação, minimização ou banalização de forma ultrajante todos os genocídios reconhecidos pela França e não apenas o dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 18 de março de 2018, na rádio France Inter, Polony, diretora editorial do semanário Marianne, falou sobre o genocídio no Ruanda e disse que o que se passou não pode ser reduzido à explicação de "os bons contra os maus".

"Infelizmente, o que se passou é que tivemos bandidos contra bandidos", disse então Natacha Polony, comentário que lhe valeu uma queixa da associação de apoio às vítimas do genocídio ruandês (Ibuka), à qual se juntou o MRAP (movimento antirracista) e a Comunidade Ruandesa de França.

Durante o julgamento, Natacha Polony refutou ter contestado o genocídio orquestrado pelo regime extremista hutu, que matou mais de 800 mil pessoas, principalmente tutsis, entre abril e julho de 1994, segundo estimativas da ONU.

Polony explicou que durante o debate de três minutos na rádio, foi "incapaz de explicar as suas ideias" sobre o papel da França no Ruanda entre 1990 e 1994.

Quem são os "bandidos"? São os políticos, considera a jornalista. Questionar-se sobre os abusos da Frente Patriótica Ruandesa (FPR, ex-rebelião tutsi, no poder desde 1994) e os "excessos do seu regime" não é minimizar o genocídio, defendeu, mas contextualizar para "entender a 'cegueira da França" na época.

"Só posso dizer que de um lado não há só bandidos e do outro só tipos bons", disse Carla del Ponte, ex-procuradora do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda, que interveio por videoconferência no julgamento, citada como testemunha por parte da defesa.

"Não houve apenas o genocídio dos tutsis, que naturalmente foi o maior crime no Ruanda, houve também (...) crimes contra a Humanidade perpetrados pelos tutsi", disse ainda Carla del Ponte.

Johan Swinnen, ex-embaixador da Bélgica no Ruanda, também afirma que "houve injustiça contra injustiça".

"Não o podemos ignorar", acrescentou.

"Não julgamos os crimes cometidos pela FPR! Ainda é a teoria do espelho" apagando as fronteiras entre carrascos e vítimas, considerou Rachel Lindon, advogada da associação Ibuka.

Para o Ministério Público, os comentários de Natacha Polony "retomam expressões constrangedoras", tendo sido alvo de "interpretações divergentes" mas em que "não há negacionismo".

A sentença será proferida no dia 20 de maio.