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NATO ultrapassou "morte anunciada" e reforçou coordenação com UE

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A NATO ultrapassou uma "morte anunciada", revitalizou-se e reforçou a coordenação com a União Europeia, que deverá investir mais nas suas capacidades de defesa nos próximos anos, no contexto de conflito entre Ucrânia e Rússia, afirmam especialistas.

"Temos tido sucessivas crises e de cada crise e de cada morte anunciada da NATO ou 'coma' da NATO, sai uma NATO reforçada", defendeu à Lusa Daniel Pinéu, professor de Relações Internacionais na universidade de Amsterdão, que acredita que este reforço está a acontecer atualmente e vai continuar.

Em 2019 o presidente francês Emmanuel Macron proclamou a "morte cerebral" da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) mas num cenário de conflito entre a Ucrânia e a Rússia esta aliança política e militar, composta por 30 países, parece estar reforçada.

Para Patrícia Daehnhardt, investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA), a revitalização da NATO "já estava em curso" mas o conflito acelerou o processo e demonstrou que "a Aliança Atlântica continua a ser a melhor garantia de segurança e defesa dos aliados europeus, mas também dos EUA".

"Em última instância, mesmo que a China seja prioridade estratégica [dos EUA], também não interessa aos Estados Unidos um panorama de instabilidade contínua no continente europeu (...). Iremos ver os EUA a focarem-se na Europa e a focarem-se por isso mesmo também na Aliança Atlântica e consequentemente a NATO sairá reforçada, precisamente por causa desta guerra", sustentou.

No quadro da NATO haverá um novo Conceito Estratégico em junho, na Cimeira de Madrid, e este mês deverá ser adotada a 'Bússola Estratégica', documento que traça a futura política de defesa e segurança da União Europeia.

Daniel Pinéu considera que NATO e UE estão "mais unidas do que antes", defendendo que "a sua postura neste momento determina, feliz ou infelizmente (...) uma espécie de assunção que de facto a Rússia já não faz parte da arquitetura de segurança europeia".

"Creio que essa parte de enfatizar a necessidade de inclusão da Rússia numa arquitetura de segurança europeia, construtiva, acho que essa parte provavelmente vai cair [dos conceitos estratégicos]. Agora, o enfâse numa confrontação ou numa nova confrontação Oeste-Leste não me parece que venha a sair claramente nos documentos desta situação agora, a curto prazo", considerou.

Patrícia Daehnhardt afirma que já "não havia ilusões" por parte da NATO de que a Rússia era uma adversária e que o conflito entre este país e a Ucrânia "alterou por completo o contexto geoestratégico" e "consequentemente, tanto a NATO como a UE têm que integrar nas suas considerações e na adoção dos seus novos documentos estratégicos esse novo contexto geopolítico alterado".

Esta sexta-feira, os líderes europeus, reunidos em Versalhes, França, concordaram em "aumentar substancialmente as despesas de defesa", com um reforço das capacidades e investimento em tecnologias inovadoras.

Na opinião de Daniel Pinéu, "este conflito apresenta uma oportunidade para uma maior unidade estratégica entre os membros da UE, mas essa unidade estratégica ainda não se reflete em capacidades".

"Do ponto de vista da UE aquilo que eu vejo é uma assertividade que se vai sobretudo traduzir numa linguagem de aumentar a médio e longo prazo as capacidades da UE, para ter mais capacidade de gestão de crises no geral, sem falar nesta em particular, sem falar da Rússia ou dos EUA, ter mais resiliência própria em relação a questões como terrorismo ou a radicalização, maiores capacidades técnicas no caso de ser necessária", ou dentro da NATO como pilar, ou para si, disse.

Também Patrícia Daehnhardt refere um "processo gradual" em que "a leitura é: ou reforça-se o pilar europeu dentro da NATO ou tenta-se desenvolver essa autonomia estratégica, esse pilar europeu, mais no âmbito da própria UE".

"Agora, no final do dia, o essencial é o reconhecimento que ninguém nega, nem a França nem ninguém na UE, que a Europa sozinha não tem capacidade de defesa e, portanto, está ainda dependente dos EUA que fornecem mais de 70% da capacidade militar da Aliança Atlântica e consequentemente também em termos de proteção dos aliados europeus", sustentou.

Já sobre um eventual exército comum europeu, Patrícia Daehnhardt defende que mais importante que isso "é ter a certeza que cada estado membro individualmente prossiga numa política de modernização, de fortalecimento e desenvolvimento das capacidades das suas forças e que levem a cabo projetos conjuntos que inclusive permitam a interoperabilidade das Forças Armadas".

Daniel Pinéu considera que os estados-membros vão primeiro investir numa "indústria europeia de defesa muito mais integrada, programas conjuntos, por exemplo, na criação de 'drones' ou de infraestrutura crítica, ou tecnologias".