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O amor e a modernidade

Acima de tudo é importante aceitar a dualidade entre segurança e a aventura

Boa parte dos casos que me surgem em consultório têm origem em questões relacionais amorosas que, nos tempos atuais, enfrentam desafios diferentes da dos nossos antepassados, onde prevalecia a função biológica e social na união e casamento.

Após a emancipação laboral e socioeconómica feminina e o liberalismo sexual e cultural da

segunda metade do séc. XX, os casais passaram a priorizar as necessidades românticas e a

encarar a união com o outro de com vista alcançar a realização e a felicidade, ao mesmo tempo que cada um dos elementos “reivindica” manter a sua individualidade na relação.

Conforme assumimos caraterísticas mais individualistas viramo-nos mais para o parceiro para este suprir necessidades que, antes, toda uma comunidade de laços fortes costumava providenciar-nos. Exigimos-lhe atenção incondicional e que seja “o tal”, estabilidade, segurança, previsibilidade, certeza. Mas também mistério, aventura, risco, espontaneidade, enquanto enfrentamos as variadas exigências e os papéis do dia a dia. E o que anteriormente estava socialmente definido e aceite pela sociedade é agora alvo de constante negociação: se queremos casar, quando viver juntos, onde queremos viver, se queremos filhos, quantos e quando...

O desgaste e o peso destas expetativas são, por vezes, um prenúncio para a “falha” e a

“incompatibilidade”. E, num mundo de cariz mais materialista com a ilusão de múltiplas escolhas e do direito de perseguir sucessivamente o “direito à felicidade individual”, arriscamo-nos a viver numa incerteza tirânica de termos tomados as melhores opções e a sentir que é emocionalmente mais “seguro” tratar as relações como mercadoria e olhar para a

excitante novidade que se segue quando as coisas correm mal.

Então qual é a solução? Não existem respostas fáceis, mas urge equilibrar as expetativas que

colocamos no parceiro.

A investigação sugere que quem tem mais recursos sociais e mais pessoas com quem falar sobre vários assuntos na sua vida tem melhor qualidade nas relações amorosas. Nunca haverá apenas uma pessoa para satisfazer todas as nossas necessidades e uma relação não vai significar para sempre a excitação e a sensação de fusão profunda da paixão dos primeiros tempos.

Acima de tudo é importante aceitar a dualidade entre segurança e a aventura. Quando há demasiado de uma, não teremos a outra. E mesmo uma boa relação deixa-nos a suspirar por coisas que esta nunca terá. No máximo teremos boas vidas em relacionamentos imperfeitos. E teremos de optar, fazer compromissos, aceitar que não podemos ter tudo na vida e que uma relação a longo prazo implica esforço mútuo, comunicação, acertar valores e caminhos comuns.

Os momentos de rotura não retiram o significado das coisas. Pelo contrário, podem ser

oportunidades para o casal se sedimentar e fortalecer. É como um par de dançarinos a aprender a dançar. Muitas vezes os pés serão pisados e a dor surgirá, mas se se desistir facilmente às primeiras dificuldades nunca se abrirá a porta à harmonia que a prática e as reparações que sucedem às roturas irão permitir.