Crónicas

A radicalidade que se exige

O amor que se pede é radical! E resulta de uma dança entre opostos, entre luz e sombra. Ele enraiza-se não no pensamento único, não na verdade de um ou de outro, mas no coração e na verdade de ambos, que é a verdade da relação e é onde reside a solução

O que mais ouço por aí são pessoas a falar da vida alheia como se da sua se tratasse. É familiar desse lado?! Na verdade, sempre que falamos sobre alguém, estamos a falar de nós próprios, daquilo que nos habita ou gostaríamos que habitasse e não habita. Ao ganharmos esta consciência é mais fácil viver sem inimizades. Aos olhos da neurolinguística, fazemos todos o melhor que podemos e sabemos, a todo o momento, com os recursos aos quais conseguimos aceder. Posto isto, quando alguém nos faz mal, não é seguramente nosso inimigo, a menos que o olhemos com a mesma leviandade com que o outro nos olha, ou desde a nossa cabeça, cheia de generalizações, distorções e omissões. Portanto, tenho para mim, que sempre que percebemos que o outro afinal, não nos agride, não nos ofende, não nos odeia ganhamos espaço para a compaixão, para gerar harmonia e amor radical.

Quando alguém tenta menosprezar outra pessoa, demonstra apenas uma tremenda pobreza. É um gesto enorme de desespero, uma desconexão assombrosa de quem é, da sua empatia, da sua capacidade de clareza. É nestes momentos que o último escape se apresenta em forma de agressão. É uma espécie de matar ou morrer. E é por isso que dispara sobre quem estiver por perto. Seja quem for. Doa a quem doer.

O que leva então, alguém a chegar a este ponto de desumanidade? A insegurança! É nitidamente alguém que teme pela sua segurança, que reage a partir do cérebro primitivo, do seu instinto animal, de sobrevivência, das suas necessidades - comuns a todos os seres humanos - de ser visto e reconhecido, de ser amado e de pertencer. Vem de quem traz dentro de si partes por acolher e transcender, traumas que ao mínimo gatilho, se tornam demasiado pesados e o impelem à agressão. É que o que acontece na infância, não fica na infância.

Toda a forma de violência surge de algum tipo de ignorância, da nossa própria também. Se acontecer, pode querer dizer que a nossa autoestima está frágil, que temos feridas por sarar. Podemos, por exemplo, acreditar que somos insuficientes, incapazes, que não somos aceites. E é isso que nos faz sofrer. O sofrimento só aparece quando estas crenças já existem dentro de nós. E é por isso que acredito que a relação – de nós próprios para connosco e para com o outro - é a solução. O outro pode mostrar-nos onde ainda podemos crescer e amadurecer. E em todo este processo é preciso uma dose radical de amor, humildade e curiosidade. Só assim resgatamos o nosso poder pessoal e avançamos para além de nós mesmos. Só assim é Natal.

Mais amor, menos dor

A nossa capacidade de cuidar do próximo depende directamente da nossa capacidade de cuidar primeiro de nós próprios. Há muito mais no nosso coração do que aquilo que julgamos possível, ou pelo menos, do que o que nos ensinam desde pequeninos. O coração tem na verdade, um papel principal na vivência de uma vida balanceada, em harmonia, com significado, em amor radical. É um cérebro, com o seu próprio sistema nervoso intrínseco que pensa, sente e tem memória. Quando vivemos centrados no coração, vivemos em estado de recursos, conectados com quem somos e com o fluir da vida. Num estado de abertura, curiosidade e criatividade. É de resto assim que criamos espaço para escutar, desde um lugar mais profundo, de unidade, coisa que não acontece se ouvirmos e estivermos só na cabeça, no cérebro racional, que é por si só um órgão dual, com hemisfério direito e esquerdo. Quando vivemos na cabeça, a tendência é olharmos para o mundo com as lentes do “isto é certo, aquilo é errado”, “eu sou melhor, o outro é pior”... O que falta à humanidade?

Permissão para sentir!

Permissão para cuidar!

Permissão para amar!

Abracemos o amor radical. A vida só nos pede isso. Nem mais, nem menos.