Análise

Ronaldo merece melhor

A prometida entrevista tarda, os amuos sucedem-se e o eclipse é letal

O madeirense Cristiano Ronaldo voltou a ser notícia de forma abundante, numa semana em que foi 20.º na ‘Bola de Ouro’ que já ganhou em 5 das 18 vezes em que foi a votos, em que foi nomeado para o prémio de futebolista do ano dos Globe Soccer Awards e em que voltou a amuar, ao deixar a zona de aquecimento no relvado de Old Trafford rumo ao balneário com o jogo a decorrer, aos 89 minutos do Manchester United-Tottenham, quando percebeu que já não iria ser aposta do treinador. Assumidamente, “o calor do momento levou a melhor”, mas o gesto que desconsiderou a equipa teve consequências exemplares, pois foi afastado do encontro de ontem frente ao Chelsea e poderá colocá-lo de forma prolongada à margem das opções de Erik Ten Hag.

A gestão de expectativas impõe-se a dois meses do fim do ano e de reabertura do mercado, com o um Mundial pelo meio. Assim, mesmo que o craque continue a dar que falar, apesar de não jogar; mesmo que o seu antigo companheiro Patrice Evra aconselhe “algum tipo de tratamento” e decrete que importa “parar de falar todos os dias sobre o Ronaldo”; mesmo que o antigo internacional inglês, Alan Shearer, perceba a frustração “do melhor jogador que já vimos”; mesmo que a lenda do críquete inglês, Kevin Pietersen, não queira “estar associado a um clube gerido por um palhaço que não respeita o maior futebolista da nossa era”; mesmo que o compatriota Nani admita que “se calhar o Ronaldo teve de ir à casa de banho”; mesmo que o antigo guarda-redes Peter Schmeichel considere que “sempre que ele é criticado volta mais forte e prova que todos estão errados”; mesmo que o antigo treinador do Benfica, Graeme Souness, em artigo de opinião no Daily Mail, alerte para riscos futuros, ao considerar que o pior pode acontecer, pois admite que os adeptos do United “irão recordá-lo pelo que aconteceu nesta época, em vez dos anos dourados e dos golos brilhantes que apontou” e que se assim se for “o United vai acabar por destruir o legado de Ronaldo”; mesmo que o comentador Rui Santos gostasse de ver o génio português ainda no topo, como “uma estrela a iluminar os céus”; e mesmo que o próprio jogador se desfaça em desculpas, assumindo ser “a mesma pessoa, o mesmo profissional, que tenho sido nos últimos 20 anos no futebol de elite” e dê sinais de arrependimento... urge que o internacional português repense irritações, defina um rumo para a vida e tenha consciência que há uma carreira que se aproxima do fim, se é que esse ciclo virtuoso já não foi ultrapassado.

O que se está a passar com o génio da bola, distinguido com mérito como melhor futebolista do mundo, revela quão efémera é a glória, quão perigosa é a memória curta e quão banal é a ingratidão. E é pena pois há todo um percurso de inquestionável dedicação e talento, trabalho e profissionalismo que merece ser preservado e ter melhor desfecho. Custa-nos a todos ver definhar e perder brilho quem nos merece o maior respeito e nos encheu de orgulho, quem alimentou sonhos colectivos e foi exímio na sua arte.