Mundo

Autoridades brasileiras preocupadas com aumento de assédio eleitoral no trabalho

Foto EPA/Sebastião Moreira
Foto EPA/Sebastião Moreira

As autoridades brasileiras estão preocupadas com o número crescente de denúncias de pressão laboral nas eleições em empresas no Brasil, prática conhecida como assédio eleitoral, embora considerem que, para já, não é relevante para afetar o sistema democrático.

Em declarações à Lusa, o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT) brasileiro, José de Lima Ramos Pereira, admitiu que há "preocupação" com este fenómeno, mas lembrou o assédio eleitoral não é uma novidade e, no sufrágio de 2018, o órgão registou 212 denúncias relativas a 98 empresas.

Nas últimas semanas, os media e as redes sociais têm disseminado vídeos e notícias sobre empresários brasileiros pressionando empregados a votar em candidatos de sua preferência, algumas vezes até ameaçando-os de demissão.

"Neste momento, estamos com 320 denúncias e não tem repetição ainda de empresa, ou seja, a possibilidade de que [o problema aconteceu] em pelo menos 300 empresas e ainda está faltando duas semanas para a segunda volta das eleições, no dia 30 de outubro", disse o procurador-geral do MPT.

"A preocupação é que realmente há um volume [de queixas] que vem numa tendência de alta. A cada momento há [relatos e] novas denúncias, mas isto também demonstra que população em geral está bem informada, que a 'media' está fazendo seu papel de divulgação e demonstra que a instituição [MPT] está preparada", acrescentou.

O assédio eleitoral caracteriza-se por ações de coação, intimidação, ameaça, humilhação, constrangimento para influenciar o voto dos empregados por parte das empresas e empresários ou mesmo ações de favorecimento, ou seja, quando os trabalhadores recebem propostas de recompensas financeiras para votarem em determinados candidatos.

Questionado se esta prática oferece algum risco para a democracia no Brasil, já colocada em causa pela polarização política que divide o país, Lima Ramos Pereira negou de forma enfática e defendeu que "a democracia brasileira é sólida e tem instituições que a protegem e, portanto, em momento algum está em risco qualquer normalidade".

"O Estado brasileiro é muito maior que as pessoas, e todos nós estamos preparados para qualquer situação a ser enfrentada".O "Estado brasileiro vai permitir, através de suas instituições, que não haja qualquer tipo de risco, mesmo mínimo, a democracia", pontuou.

O MPT já contabilizou oficialmente 447 casos de assédio eleitoral, segundo dados divulgados pela assessoria de comunicação do órgão.

A maioria das queixas ocorreu em empresas do sul e sudeste do país, regiões mais industrializadas onde o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, tem um grande apoio do setor empresarial.

Um exemplo que se tornou público recentemente aconteceu na Altenburg, gigante do setor têxtil e maior produtora de travesseiros da América Latina, que recebeu uma recomendação do MPT de Santa Catarina, na região sul, para que se abstenha de obrigar ou induzir trabalhadores a direcionar votos na segunda volta das eleições presidenciais.

O órgão recebeu denúncias de que funcionários estavam a ser coagidos a votar em Bolsonaro sob a ameaça de que a manutenção dos seus empregos dependia da reeleição do governante.

Num dos vídeos sobre assédio eleitoral que a reportagem teve acesso, o empresário Marcelo Dominici, do grupo Terra Boa, do qual faz parte a empresa Stara, de máquinas e equipamentos agrícolas sediada no Rio Grande do Sul, aparece cercado por empregados, discursando sobre alegadas ameaças do comunismo e pressiona-os a votarem em Bolsonaro.

Sobre a ocorrência de gravações expondo este tipo de situação, o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho comentou que lhe chamou a atenção a banalização desta prática em 2022.

"É como se [o assédio eleitoral] fosse algo que está inserido no contrato de trabalho, que é normal o empregador ter esse tipo de atitude, o que não é. Parece que as pessoas perderam um pouco o pudor", ponderou Lima Ramos Pereira.

"Geralmente o assédio é praticado de forma invisível, de forma escondida, porque as pessoas não querem se incriminar. O que está acontecendo, para a nossa surpresa, é que as empresas e pessoas não estão preocupadas se são gravadas, se isto vai para a rede social (...) isto é uma banalização do ilícito", completou.

O MPT do Rio Grande do Sul entrou com uma ação civil contra a Stara pedindo indemnização de 10 milhões de reais (1,9 milhões de euros) após detetar que a empresa já havia enviado um documento para seus fornecedores alegando que deverá reduzir seu orçamento se Lula da Silva for eleito Presidente.

O órgão alegou que esta queixa "não tem nenhum cunho político ou partidário, mas de defender a Constituição Federal, assegurar a liberdade de orientação política e de voto aos trabalhadores, resguardando o direito de exercício da cidadania plena."

Questionado se tinha conhecimento sobre denúncias contra empresas ou empresários para favorecer Lula da Silva já que a reportagem não encontrou informações a este respeito, o Procurador-geral absteve-se de responder e explicou que para o MPT não interessa quem seria o candidato favorecido ou prejudicado, mas sim a garantia dos direitos dos trabalhadores.

"Não interessa para o Ministério Público do Trabalho se é um candidato ou outro candidato. Interessa é que no momento do trabalho seja respeitado o direito do trabalhador votar", pontuou.

"Teríamos que analisar caso a caso, abrir cada procedimento para fazer essa contagem. Mas como isto é algo que não nos diz respeito apenas encaminhamos o Ministério Público Eleitoral, porque este órgão sim, poderá apurar outro tipo de ilícito", concluiu.