Crónicas

Setembro de chuva e calor

Da adolescente estranha que eu tinha sido, surgia uma jovem mais confiante

Um vento a anunciar o Outono corria pelos eucaliptos e havia nuvens gordas, mas eu quis aproveitar as minhas primeiras férias grandes de liberdade e corria escada abaixo para apanhar o autocarro. A minha mãe já tinha ameaçado, a história de “ir ao banho” todos os dias da semana ia acabar antes mesmo das primeiras chuvas.

E eu queria só mais bocadinho do Lido, queria regressar ao Girassol bronzeada, diferente e tão desafiadora como o Verão me fizera sentir. Tinha saltado de pés das pranchas altas, escorregado sem medo pelo tobogan e entrado na moda das boleias até as paragens da Avenida do Mar.

Era certo que, ao contrário do que contavam as outras miúdas, só me calharam furgonetas, carros velhos e rapazes que diziam “semos” em vez de “somos”, mas aquelas férias mudaram-me a cabeça, o corte de cabelo e tiraram-me 10 quilos de cima. Até ganhei coragem para usar o biquini cor-de-rosa que a minha prima Ana me emprestou.

Da adolescente estranha que eu tinha sido, surgia uma jovem mais confiante a quem era difícil a minha mãe impingir o que resgatava dos saldos, daqueles saldos esquisitos dos anos 80. Lembro-me que nesse ano, o do Verão dos meus 16 anos, fomos às compras com mais dinheiro e eu cheguei a casa satisfeita com umas camisas unissexo, umas calças e uns sapatos que, pela primeira vez, não me envergonharam.

Se eu estava diferente, a nossa vida no Laranjal parecia seguir o ritmo do país, mais folgada. Os bordados pagavam melhor, nas obras também e a minha mãe permitia-se a luxos como uns sofás forrados de novo, um móvel para loiça, copos, os meus livros e a televisão a cores. E foi nesse ano que encomendou uma cómoda com espelho ao primo Fernando.

A casa ganhava outro ar, no quintal as laranjeiras enchiam o jardim e o meu irmão e eu estavámos mais parecidos com os outros miúdos da nossa idade. O meu irmão tinha um casaco de cabedal e umas sapatilhas Stan Smith e, além disso tudo, escrevia poemas que até se publicaram no Diário. E fazia sempre vista quando ia comigo a qualquer lado, ao cinema, ao café, aos sítios onde não me deixavam ir sozinha.

E eu não sabia, mas aquele Setembro de calor e chuva, não era o fim, mas o princípio de um tempo em que fui muito feliz, o tempo dos últimos anos do secundário, da entrada na faculdade, a sensação de ser nova e ter o futuro pela frente e um porto de abrigo, seguro e acolhedor, no Laranjal, onde tudo continuava como sempre fora.