Crónicas

As dunas de Porto Santo

Deixar de ser a ilha dos quinze dias após o rali. Duas semanas a abarrotar de gente. Era muito melhor o Porto Santo ter mais dois mil novos residentes que vinte mil veraneantes em Agosto

Tenho uma paixão pela nossa ilha dourada. Desde que nasci, sem falta em cada ano, repeti as férias ali. Mais recentemente, são múltiplas as visitas anuais. Aqui estou novamente. Conheço muita gente, falo com outros tantos e, enquanto governante, ajudei e tomei iniciativas que foram fazendo a evolução de PXO - ex: porto de abrigo; extensão da pista aeroportuária; travessia em catamarã reduzindo a viagem para metade do tempo. Mais tarde julgo ter tido contributo decisivo para a existência do campo de golfe.

Penso ter estatuto para poder dar opinião sobre a Ilha. O que já aconteceu, anteriormente por várias vezes.

Estive uma semana em Ibiza e Formentera. Duas das Ilhas Baleares todas elas viradas para a actividade económica (turismo) e com PIB/per capita de 28.000 € (a Madeira apenas tem 18.000 € por cada um de nós). Nós temos turismo o ano todo enquanto Ibiza e Formentera trabalham apenas os seis meses de “verão”.

Formentera tem o dobro da área de Porto Santo e 12 mil habitantes. Em 2005 eram apenas 7.500. Cresceu 60 por cento. Tem tanta areia como a nossa ilha, ainda que não disponha de qualquer praia grande.

Fiquei num hotel sobre a praia, inaugurado em Maio último. Hotel e restaurante, tudo pertinho da água do mar. Como o Luamar.

Ibiza é ilha maior. 1/4 mais pequena que a Madeira, tinha cem mil habitantes em 2005 e, actualmente, cento e trinta mil. Cresceu trinta por cento. Tem três milhões de turistas anuais. Em apenas seis meses do ano. A Madeira tem dois milhões no ano completo. Ibiza é conhecida pela sua frenética vida nocturna e pelos hotéis sobre as praias. Foi nomeada pela CNN como a melhor animação nocturna do mundo. Acaba de inaugurar, neste mesmo mês de Julho, um hotel de famoso grupo internacional. O turista tipo destas ilhas não é idoso, é bem sucedido, com bom rendimento e muita disponibilidade para se divertir e apanhar sol. É ele que paga 250 € de consumo obrigatório para usar cama à volta da piscina do seu hotel. Para além dos mais de quinhentos euros diários para dormir. A qualidade do serviço em hotéis e restaurantes é fantástica. Tudo bons e jovens profissionais que se deslocam para as Baleares motivados por salários acima da média. Gente bem paga e motivada. Os preços a pagar por tudo isso são obscenos. O bom tempo é garantido e não é preciso rezar por sol e calor.

Todos os anos os turistas regressam sem hesitação. Muitos alugando as centenas de iates que ali estacionam. Um outro mundo turístico e comercial. Com muito dinheiro a girar entre clientes e fornecedores de bens e serviços.

Esta realidade é impensável na Madeira e impossível no Porto Santo.

Porque seguimos outro caminho. Com menos rentabilidade. Na Madeira uma opção que deixou de ter no inverno a época alta e que no verão se contenta com os turistas de baixo rendimento. Muita gente de pouco dinheiro.

Fazem-me crer que os preços na Madeira têm baixado. Admito. Para as minhas férias nas Baleares e Canárias fica sempre mais caro de ano para ano. Sem contar com o abuso da TAP para Lisboa. Ainda me fazem acreditar que a TAP foi quem soube aumentar preços sem perder o negócio. Mais do que triplicou os preços e, pandemia à parte, não diminuiu os passageiros.

Mas o motivo deste escrito são as férias “cá dentro”, que as passo exclusivamente em Porto Santo.

O Porto Santo vive destes 15 dias de Agosto. Duas semanas a abarrotar de gente. O que é mau para a qualidade do destino. Péssimo! Para os madeirenses é uma forma de sair da ilha. Para muitos a única. A praia enche. Tudo enche.

Acabado Agosto tudo volta ao normal. O que é mau já que significa, para os residentes, começar a gastar os “lucros” do verão. Até ao rali do próximo ano. Até lá são muitos meses de angústia e reclamação.

Estamos em campanha eleitoral e os candidatos têm tantos cartazes quanto votos. É uma forma de ornamentar a ilha para os visitantes. Dar a conhecer as caras de alguns dos seus ilustres cidadãos.

O mais estranho são os “programas” eleitorais. Falam de fazer estruturas públicas, umas essenciais outras nem tanto, ou mesmo absurdas. O novo centro de saúde é o mais importante, mas é obra do governo. Estranho é propor novamente um mercado. Os dois anteriores fecharam ou nem abriram. Os “vendedores” da lavoura local já imaginam custos adicionais e não estão de acordo. No mais os pretendentes ao trono propõem novos estacionamentos, o que pressupõe irem incentivar a vinda de mais automóveis. São tudo “benefícios” para os residentes locais, afinal os que votam numa disputa sempre equilibrada.

Votam e abandonam a Ilha já que a sua população diminuiu seis por cento nos últimos dez anos. Mesmo com inúmeros novos residentes.

A Madeira e o Porto Santo são “paraísos” que perdem população. Estranho.

Nesta luta política em PXO o que devia fazer parte do debate eleitoral é a estratégia de desenvolvimento futuro que traga emprego melhor remunerado. Deixar de ser a ilha dos “quinze dias após o rali” e passar a ser o “paraíso” de todo o ano onde se está em segurança, com elevada qualidade de vida e muito prazer. Algo que venha a ser bem pago, proporcione equivalente proveito e que aumente o nível de vida da população local.

Viver no Porto Santo não pode ser vida de “segunda”. Nem de “primeira”. Deve ser um privilégio para os naturais, demais residentes e visitantes. Algo muito bom que só se consegue com estratégia, planeamento e disciplina colectiva.

O debate não deve ser partidário mas, ao contrário, público e generalizado. Deve partir da definição do que se quer para o que se precisa fazer para lá chegar.

Julgo ser compreensível que a Assembleia Municipal, na ausência de outro órgão colectivo com legitimidade eleitoral, deve ser o fórum principal do debate sobre o que se passa e o que fazer em Porto Santo. Para além das suas competências municipais. Nem tudo deve ser decidido pelos decisores do Funchal. A “inteligência” local tem papel fundamental. Não uns contra os outros mas com suficiente serenidade a favor do interesse do Porto Santo. Discordar não pode ser deitar fel sobre tudo o que não se gosta. Há de haver um ponto de equilíbrio entre todos, mesmo que alguns (poucos) persistam que tudo pareça ter sido mal feito.

Penso que já repararam que cada vez o Porto Santo atrai novos residentes. Uns madeirenses outros estrangeiros. São mais do que turismo residencial. Adoptaram a Ilha como a sua “terra” de vida. É um enorme contributo económico.

Era muito melhor o Porto Santo ter mais dois mil novos residentes permanentes que vinte mil “veraneantes” em Agosto. O turismo residencial completaria a qualidade dos visitantes. O investimento em casa própria e as consequentes visitas repetidas criariam o mercado mínimo de conforto para quem viva na ilha. O verão seria positivamente influenciado pelo nível imposto para todo o ano. Nada que o ritmo de viagens do Lobo Marinho não pudesse resolver.

Ao longo das últimas quatro décadas foram feitos os investimentos que o Porto Santo exigia e precisava. Para completar vem aí uma nova unidade de saúde. O trânsito entre o Ribeiro Salgado e o Penedo deve ser planeado em termos de longo prazo. O presente está feito. Agora é preciso definir o futuro. Sem obras mas com estratégia. Substituir o músculo pela inteligência. São decisões que se falharem custam mais caro do que uma obra construída e que para nada é utilizada. Falhar nas opções será perder oportunidades, adiar soluções e pôr o médio prazo em risco.

O Porto Santo não pode depender das conversas de praia. O sol não é o principal atractivo. Nunca se sabe quando estará bom tempo. As vantagens comparativas têm de ser construídas: garantir segurança, assegurar resposta na saúde, limpeza pública, infra-estruturas públicas em bom estado de uso, prática desportiva, etc.

Quem quis investir em Porto Santo sempre precisou ter fé em Deus. Tudo podia acontecer. Até nada acontecer!

Nesse tempo, tudo o que fosse plano era rejeitado pois não permitia o improviso, o disparate e o abuso de conhecidos do “regime”.

Bendita União Europeia que impôs, como regra obrigatória para acesso às ajudas financeiras, a aprovação de planos territoriais e locais definindo balizas de intervenção pública e privada. E alguns ainda continuam a ser elaborados. E outros por fazer.

Nenhuma ilha ou região se desenvolve no caos do tudo pode ser feito. Mas também fica paralisada e no limiar da pobreza se nada puder ser realizado ou depender da burocracia e da influência.

É preciso fazer do Porto Santo uma ilha de turismo de qualidade para os que a habitem ou visitem. Gente com poder de compra que dêem emprego bem pago e proporcionem impostos que ajudem à satisfação social.

O objectivo é uma Ilha com bom ensino, eficiente serviço de saúde e segurança. Façam isso! Tudo o resto é perda de tempo.

Entretanto esqueci-me das dunas de Porto Santo. Era a razão deste artigo de opinião porque são a causa de tudo se afastar da praia, o maior activo natural da Ilha. O que é um facto é que em todos os destinos fantásticos e luxuosos que conheço por muito pouco não dormi dentro de água. Mas enfim, só sei constatar o que vejo e vivo. Vejo as edificações e avalio a riqueza que proporcionam. Os sábios que discutam. E apresentem boa justificação para parques de estacionamento em asfalto junto às dunas. Os “criminosos” ambientais das Baleares fazem hotéis junto à praia e estacionam os automóveis e motas em zonas não pavimentadas. Sobre terra e areia. Pagos. Em Porto Santo os impostos da sua população pagam o estacionamento dos visitantes, enquanto no “parking” da Ponta, junto ao antigo matadouro, nem um euro se pode gastar a comprar uma garrafa de água.

PS: um consagrado político de Porto Santo, num momento de convívio e conversa sobre a Ilha, disse-me: “o Miguel que organize um viagem para irmos a Ibiza ver como é”. Infelizmente já estávamos no final de Agosto e nunca mais se falou nessa visita. Ver “mundo”. Tudo teria sido diferente. A candidatura política devia exigir dar a saber para onde já tinha viajado.

Pedro Calado

Foi um excelente e distinto governante. Uma preciosa escolha de Miguel Albuquerque. A sua coragem política nesta nova aposta é louvável. É mais um passo importante numa carreira política que ainda há pouco começou. Queremos políticos responsáveis, experientes e maduros. Pedro Calado é exemplo perfeito.

Segue-se Rogério Gouveia. Tem-se resguardado da ribalta política e partidária. Vai aparecer com a sua serenidade e competente acerto. De finanças públicas sabe ele. Por aí estamos seguros. Boa sorte !