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Alerta Vermelho

O presidente de um clube português de futebol foi esta semana detido por suspeitas da prática dos “crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento de capitais”, em financiamentos e negócios superiores a 100 milhões de euros que poderão ter causado prejuízos ao Estado, ao Novo Banco e ao clube. Sim, diz-se que também ao próprio clube que, assim, terá sido lesado.

Depois de três noites nas instalações da PSP em Moscavide e de três dias de interrogatório, conheceu as medidas de coação: não se pode ausentar do país, não pode contactar os restantes arguidos nem elementos da SAD do clube e terá de pagar uma caução de 3 milhões de euros. Entretanto, fica em prisão domiciliária o homem que há pouco mais de 10 meses teve na sua Comissão de Honra o primeiro-ministro, António Costa, e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, que não deixaram de lhe manifestar o seu apoio e de emprestar o seu mediatismo, mesmo depois do impacto público da Operação Lex que estabelece uma ligação absolutamente perigosa entre o presidente e o então Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, Rui Rangel, entretanto expulso da magistratura e acusado pelo Ministério Público pela prática de vários crimes que punham em causa o próprio funcionamento da Justiça.

Não irei obviamente comentar o processo, que seguirá os seus trâmites normais, e limito-me a abordar aquilo que tem vindo a ser tornado público, sem deixar de reforçar que todos os envolvidos se presumem inocentes até ser proferida decisão final. Agora é deixar a Justiça funcionar. À Justiça o que é da Justiça. E o que os Portugueses esperam sempre é que se faça Justiça. Não esperam mais, nem menos.

Não me irei pronunciar sobre todo o mediatismo em torno destes processos, até porque já escrevi sobre isso. Não irei abordar o enriquecimento ilícito e a forma como muitos “empresários” chegaram inclusivamente a parceiros do Estado em empresas públicas estratégicas agora em colapso de gestão. Não irei comentar a forma como os portugueses ouvem falar de milhões enquanto contam os tostões. Não irei agora abordar aquilo que distingue a suspeita leviana com objetivos político-partidários da consistência de um processo judicial que assegura garantias específicas de defesa e assenta em factos concretos e prova específica. Também não irei percorrer as virtudes e os defeitos do nosso processo penal ou as estratégias de investigação. Mas julgo que devo aqui realçar que a Justiça tem vindo a dar sinais importantes que não devem ser ignorados.

Creio que devemos reter o percurso recente de uma Justiça que investiga e acusa um antigo primeiro-ministro, que investiga e acusa políticos, juízes desembargadores, presidentes dos tribunais superiores, polícias, empresários e administradores de grandes empresas, negócios com Angola, altos dirigentes desportivos. São sinais importantes que podem estar a anunciar um novo paradigma da Justiça. E a mensagem que passa é a de que a Justiça está a chegar aos grandes e qualquer um pode ser investigado. Mais tarde ou mais cedo, pode ser investigado. E ninguém pode estar acima da lei. Começa a ser quase uma questão de tempo. O crime não compensa. Sabemos que não vamos acabar com todos os crimes, mas julgo que estamos a acabar com o sentimento de impunidade. Há uma “linha vermelha” que ninguém pode ultrapassar.