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Quando a Ética e a legalidade colidem… que história fica para contar

Nota prévia:

A corrupção política, ou “má política” (malpolitics), consubstancia o uso de poderes por parte de funcionários de um governo, das principais instituições do Estado, ou da sua rede de contactos, com o intuito de obter vantagem privada ilegítima.

Nem sempre são consideradas muitas das formas de corrupção que incluem suborno, lobbying (pressão), extorsão, nepotismo, clientelismo, tráfico de influências, corrupção e peculato, só para nomear algumas.

O escândalo:

Nestes últimos tempos, o ambiente político madeirense tem sido “salpicado” por notícias que se reportam a casos de eventuais situações anómalas do ponto de vista da ética política e da boa condução dos Bens comuns. Trata-se de questões que envolvem, quase sempre, operações financeiras que suscitam dúvida e até apreensão, mas que, depois de tornadas públicas e de passarem pelo filtro do “burburinho” popular e, também, mediático, parecem beneficiar de um estatuto de legalidade, sempre invocado pelo alegado infractor. É óbvio que os cidadãos anónimos não desencadearão qualquer processo de averiguações, sendo que os representantes desses mesmos cidadãos, eleitos para defender os interesses dos mesmos e da comunidade de onde emanam, estarão a construir o que, em Portugal, se designa como “carreira política”, logo com “justificada” ocupação.

A recente notícia, fundada numa peça de jornalismo de investigação, relativa a actos menos dignos, do ponto de vista político, perpetrados por figuras ligadas à política regional, envolvendo mesmo o Secretário Regional com a tutela da Economia, abalou mais do que uma convicção. Foram publicitados vários dados relevantes, a saber, o nome do suposto corruptor e dos alegados corrompidos, assim como os montantes exactos depositados nas contas pessoais dos envolvidos. Da parte do principal visado, assim como do Presidente do Governo Regional, foi referido que as operações financeiras em questão são legais, logo inócuas quanto a uma eventual acção judicial.

Aceitemos, com dificuldade e repúdio, que são legais essas operações. Mas serão eticamente aceitáveis? Estarão os protagonistas (os que prevaricam e os que entendem as suas “razões”) persuadidos de que, desse modo, se calam as expressões de repulsa e de indignação? Julgam essas pessoas que podem simplesmente decretar que tudo continue na mesma? Não é admissível.

O interesse público, um dos mais relevantes princípios da governança, é severamente afectado sempre que um acto de corrupção o trespassa, perturbando-o, colocando-o em causa, minando a confiança dos cidadãos nos seus eleitos para gerir os bens da comunidade.

As explicações dadas por Rui Barreto, um dos principais visados porque é o que desempenha a função política mais relevante, consubstanciam um conjunto de lugares comuns que destitui a missão que lhe incumbe e a “lealdade” que jurou cumprir aquando da tomada de posse.

Não lembraria “ao diabo”:

“O diabo diz a verdade mais frequentemente do que parece, mas tem um auditório ignorante” (Lord Byron). Assim, a banalização dos actos eticamente ilícitos, tornados legais porque o legislador não acautelou o interesse público, parece configurar a instituição de uma norma de conduta que se espera, a priori, possa ser transgredida e que esse facto seja entendido como “normal”. Quando o arbitrário tem força de lei, quando a ética e a legalidade colidem, a disrupção dos titulares de cargos políticos é entendida como “normal”. Este facto, e mesmo que fosse “apenas” este facto, seria o suficiente para que se alegasse a fragilidade da Democracia. O custo político desta “normalização” do comportamento corrupto coloca em causa, também, a Liberdade e o respeito pela Lei.

Soluções? uma palavra, um conceito: “Accountability” (prestação de contas).

Pugnar por mais transparência nos atos políticos, no comportamento (a todos os níveis) dos partidos políticos e dos seus titulares é o primeiro passo e o mais credível para começar a erradicar a corrupção. Depois, extirpar os resquícios legislativos que acolhem atos corruptos etiquetando-os como legais. Expurgar as leis dessas fendas pelas quais perpassa toda a espécie de acções que podem colocar em causa a sanidade ética dos actos públicos é uma bandeira de que a Iniciativa Liberal não deve abdicar e pela qual deve, com muita convicção, combater.

Se, à titularidade dos cargos públicos, correspondesse um imperativo ético de transparência e de prestação de contas, o Secretário Regional de Economia ter-se-ia, imediatamente, demitido. Mais, se a exigência da transparência fosse assumida como um requisito, nenhum contributo de um qualquer “financiador” de partidos políticos teria sido aceite, nas contas pessoais dos seus representantes, isto com a agravante de os montantes terem sido “cirurgicamente” calculados para ficar dentro do quadro aceite pela norma que não se indigna.

Os partidos políticos podem ser entendidos como um garante essencial dos regimes democráticos (e até por isso são “principescamente” financiados pelos impostos dos cidadãos), mas este tipo de condutas e a sua aceitabilidade política e social é um dos primeiros indícios da ruína do edifício da Democracia.